Admiro os que têm paciência para seguir todos os detalhes da versão cabocla dos Processos de Moscou, mas eu só os acompanho por alto, lendo uma notícia aqui e uma coluna acolá. Admirador dos "filmes de tribunal", não consigo me interessar por um em que o ator que faz o papel de juiz já escreveu a sentença antes do julgamento começar.
Assim posso estar enganado, mas me parece que a "minuta do golpe", antes considerada decisiva para configurá-lo, sumiu repentinamente depois de se revelar apenas um papel sem origem, sem destino e sem a assinatura de ninguém, que mencionava a decretação de um estado de sítio ou estado de defesa.
Eu nunca tinha entendido mesmo por que a minuta era importante, pois todos sabiam que o uso desses dois mecanismos constitucionais que exigem aprovação do Congresso foi realmente cogitado depois da eleição repleta de aberrações como a mudança de regras entre os dois turnos, a censura admitida pela censuradora como ilegal e a confissão de que "nós derrotamos o bolsonarismo".
Também tenho a impressão de que os acontecimentos do 8 de janeiro deixaram de ser invocados como prova de que houve uma tentativa abortada de golpe. O absurdo de tentar um golpe com pessoas inofensivas quando o outro governo já assumiu e a falta de qualquer conexão entre aqueles fatos e a reunião da falecida minuta acabaram sendo demais até para os padrões moscovitas deste caso.
Houve um ensaio para dizer que não seria necessário comprovar a tentativa porque, quando se trata de golpes, "tentar é diferente de atentar". Mas eles logo viram que apenas os sabujos mais fanáticos e intelectualmente limitados conseguiram levar o argumento a sério e o abandonaram.
A mais recente versão desse assunto envolve uma espécie de salto triplo. Como se sabe, cogitar um crime não é crime, ninguém vai para a cadeia por convidar comparsas para assaltar um banco. É necessário que exista ao menos uma tentativa, uma ação frustrada por interferência externa, para prender o assaltante.
Sabendo disso, eles "esquecem" que as medidas cogitadas na reunião eram constitucionais e argumentam que sua simples cogitação já configura uma tentativa de golpe, cabendo a interferência externa que impediu o crime aos comandantes militares que levantaram as objeções acatadas pelo presidente.
Um probleminha dessa ideia é arrebentar com o significado natural de cogitação. Esta é uma discussão (ainda que às vezes apenas interna) em que se pesam os prós e contras de tomar uma determinada atitude. Se quem cogitou o assalto desistiu após não encontrar os comparsas que queria, nada aconteceu.
Mas o problemão da ideia é "esquecer" (de novo) que os comandantes militares são nomeados pelo presidente. São seus subalternos, não uma força externa impeditiva como a polícia é para o assaltante. Se o presidente fosse mesmo golpista, lhe bastaria substituí-los por outros.
É como se o assaltante não pudesse cometer seu crime porque sua empregada doméstica descobriu suas más intenções e não o deixou sair de casa naquele dia. "Ele tentou, mas ela o impediu", diria o ator que faz o papel de juiz ao condenar o réu. Mas aí não seria filme de tribunal, seria comédia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário