quinta-feira, 12 de junho de 2025

Minha empregada não deixou

Admiro os que têm paciência para seguir todos os detalhes da versão cabocla dos Processos de Moscou, mas eu só os acompanho por alto, lendo uma notícia aqui e uma coluna acolá. Admirador dos "filmes de tribunal", não consigo me interessar por um em que o ator que faz o papel de juiz já escreveu a sentença antes do julgamento começar.

Assim posso estar enganado, mas me parece que a "minuta do golpe", antes considerada decisiva para configurá-lo, sumiu repentinamente depois de se revelar apenas um papel sem origem, sem destino e sem a assinatura de ninguém, que mencionava a decretação de um estado de sítio ou estado de defesa.

Eu nunca tinha entendido mesmo por que a minuta era importante, pois todos sabiam que o uso desses dois mecanismos constitucionais que exigem aprovação do Congresso foi realmente cogitado depois da eleição repleta de aberrações como a mudança de regras entre os dois turnos, a censura admitida pela censuradora como ilegal e a confissão de que "nós derrotamos o bolsonarismo".

Também tenho a impressão de que os acontecimentos do 8 de janeiro deixaram de ser invocados como prova de que houve uma tentativa abortada de golpe. O absurdo de tentar um golpe com pessoas inofensivas quando o outro governo já assumiu e a falta de qualquer conexão entre aqueles fatos e a reunião da falecida minuta acabaram sendo demais até para os padrões moscovitas deste caso.

Houve um ensaio para dizer que não seria necessário comprovar a tentativa porque, quando se trata de golpes, "tentar é diferente de atentar". Mas eles logo viram que apenas os sabujos mais fanáticos e intelectualmente limitados conseguiram levar o argumento a sério e o abandonaram.

A mais recente versão desse assunto envolve uma espécie de salto triplo. Como se sabe, cogitar um crime não é crime, ninguém vai para a cadeia por convidar comparsas para assaltar um banco. É necessário que exista ao menos uma tentativa, uma ação frustrada por interferência externa, para prender o assaltante.

Sabendo disso, eles "esquecem" que as medidas cogitadas na reunião eram constitucionais e argumentam que sua simples cogitação já configura uma tentativa de golpe, cabendo a interferência externa que impediu o crime aos comandantes militares que levantaram as objeções acatadas pelo presidente.

Um probleminha dessa ideia é arrebentar com o significado natural de cogitação. Esta é uma discussão (ainda que às vezes apenas interna) em que se pesam os prós e contras de tomar uma determinada atitude. Se quem cogitou o assalto desistiu após não encontrar os comparsas que queria, nada aconteceu.

Mas o problemão da ideia é "esquecer" (de novo) que os comandantes militares são nomeados pelo presidente. São seus subalternos, não uma força externa impeditiva como a polícia é para o assaltante. Se o presidente fosse mesmo golpista, lhe bastaria substituí-los por outros.

É como se o assaltante não pudesse cometer seu crime porque sua empregada doméstica descobriu suas más intenções e não o deixou sair de casa naquele dia. "Ele tentou, mas ela o impediu", diria o ator que faz o papel de juiz ao condenar o réu. Mas aí não seria filme de tribunal, seria comédia. 


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