Eles não podem falar, mas a gente fala. Nos artigos sobre o remake da novela Vale Tudo que a Globo está levando ao ar, eles comentam as diferenças entre o Brasil de 1988 e o de hoje, mas não mencionam que uma delas é a própria emissora, tratada como parte da família naquela época e detestada por grande parte do país atualmente.
Sérgio Chapelin (hoje um velhinho barbudo de 83 anos) talvez não saísse muito para não ser incomodado pelos fãs. William Bonner não frequenta shoppings, restaurantes e outros locais públicos para não ter que enfrentar a revolta de algum cidadão indignado com a desonestidade de seu noticiário.
Você pode achar que isso não afeta quem ainda vê novela, mas eu tenho um exemplo próximo de quem acompanha a turca da Record (embora sem a mesma assiduidade do passado) e nem pensa em ver o que acontece na emissora do regime. A Globo perdeu audiência ao se tornar parte decisiva da pilantragem que denunciava.
Talvez por isso, a Vale Tudo remakeada teve o segundo pior público de uma estreia de novela. E a coisa não melhorou nos dias seguintes. Apesar da emissora ter apostado todas as fichas na reedição do antigo sucesso, o público, boa parte do qual não era nem nascido em 88, não parece assim tão interessado. Mas isso eles falam.
O que eles também não podem falar, mas a gente pode, é sobre o tom com que a atual trama tratará a corrupção, vista como o grande mal nacional no passado. De lá para cá piorou muito, o maior corrupto do país voltou à presidência e conta com a proteção escancarada do judiciário. A enforcada Globo vai dar corda para o assunto?
E tem a questão dos atores. Pelo que se vê nos jornais, quase todos parecem bem piores do que os da versão original. Uma personagem decisiva como Raquel, a mãe boazinha, agora é vivida por Thaís Araújo, que todo mundo já deve ter assistido e não pode nem ser comparada a Regina Duarte.
Tempos atrás eu comentei ter visto um pedaço de novela global em que havia muitas atrizes que tinham o mesmo aspecto físico, gesticulavam e gritavam da mesma forma. Não tenho certeza se a atual Maria de Fátima - a filha malandra, interpretada por Glória Pires na versão original - é uma delas, mas o jeito é de que é.
Além disso, elas são negras e uma espertalhona típica dos dias atuais seria morena como a Glória Pires, mas tingiria os cabelos de loiro e viveria atrás de jogadores de futebol (brancos ou negros, aí tanto faz). Podem reclamar o quanto quiserem, mas nesse tipo de vigarice a cor da pele faz diferença.
Se era para denunciar as mazelas do país, ao invés de escurecê-la a Globo poderia fazer a Maria de Fátima dizer que pinta o cabelo porque as loiras têm mais chance de se dar bem nesse mercado. Muito boboquinha, e por isso em desacordo com o espírito da novela, esse negócio de "combater o racismo" enchendo a tela de negros.
Isso ninguém criticou porque eles não podem falar. Mas a gente fala.
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