domingo, 2 de março de 2025

Espaço vital

Um dia ele será tão antigo quanto Carlos Magno e talvez só os bons estudantes de história saibam de sua existência, mas hoje, passados 80 anos, o nazismo continua a ser um fenômeno popular, conhecido por quase todos, citado por políticos e abordado seguidamente em séries de TV.

Em parte isso acontece porque muita coisa sobre ele (e a Segunda Guerra) foi registrada em filmes. Mas o fundamental é o seu mix entre maldade absoluta, desenvolvimento econômico, inovação tecnológica e convulsão internacional. E tudo isso em pouco mais que uma década de atuação.

É natural que o movimento ainda atraia muita atenção e é correto tratá-lo como um perigo que não deve ser repetido. O problema disso é o Reductio ad Hitlerum, a tentativa de forçar a associação de grupos, atitudes e pessoas ao nazismo para desqualificá-las de antemão. 

Basta ver o nome "Heil" escrito em telhados para a escritora idiota lembrar do "Heil Hitler" e chamar toda uma cidade de nazista. Seus colegas de jornal não ficam atrás, denunciando "saudações nazistas" em cada braço esticado por seus adversários políticos. E imbecilidades semelhantes se repetem mundo afora.

Uma das mais recentes é comparar os territórios de maioria russa que Putin ocupou na Ucrânia com os Sudetos de maioria alemã que Hitler tomou da Tchecoslováquia em 1938. Se um desses episódios foi o prelúdio de uma grande guerra o outro também deve ser, dizem os reducionistas com uma lógica que a escritora aplaudiria.

As situações em si são realmente paralelas. Os alemães haviam se instalado nos Sudetos numa época anterior à existência dos dois países e seus descendentes, amplamente majoritários na região, mantinham a língua e a cultura dos antepassados. Mais ou menos como os russos que acabaram na Ucrânia com o fim da URSS.

Daí a concluir que entregar os territórios ocupados para Putin o levará a invadir a Polônia e outros países é dar livre curso à fantasia. Hitler tinha uma agenda própria, tentaria fazer o que fez com Sudetos ou sem. E há vários exemplos de arranjos parecidos que acabaram com a transferência da área disputada.

Lembremo-nos do Álamo, onde os americanos que declararam sua independência do México resistiram às tropas que tentaram subjugá-los. A briga acabou com a incorporação do Texas aos EUA e com uma guerra em que outros territórios tiveram o mesmo destino. Mas o México continuou existindo.

Ainda mais próximo de nós é o Acre, que pertencia à Bolívia e acabou sendo entregue ao Brasil após a revolta dos brasileiros que constituíam a maioria de sua população. Resolvido o problema, ninguém por aqui levantou a ideia de invadir os países vizinhos para ter um porto no Pacífico ou algo do tipo.

Talvez Putin até tenha pensado inicialmente em anexar toda a Ucrânia, ninguém pode saber, mas a essas alturas deve estar satisfeito em sair da confusão em que se meteu com ares de vencedor. Cada um com seu espaço vital. Cada história é uma história. E Trump não é Chamberlain.

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