segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Zona cinzenta

O que uma empresa faz para coibir as funcionárias que, perto do final do expediente, vão ao banheiro e colocam um rolo de papel higiênico na bolsa? Não faz nada. Revistar todo mundo lhe renderia um processo trabalhista, colocar câmeras nem pensar, contar os rolos de cada banheiro para ver onde eles mais faltam pareceria uma mesquinharia, o custo financeiro e político do controle seria maior que o prejuízo.

Não dá para compactuar com o que acontece, mas não dá para evitar que aconteça. E tudo bem, nem sempre as coisas têm que ser preto ou branco, muitas vezes a zona cinzenta é a melhor opção. Outros exemplos disso seriam, na minha opinião, o uso de drogas e o aborto. Ambos devem permanecer ilegais, mas não se deve punir a moça que abortou ou o rapaz que fumou um baseado.

Numa área distinta, mas de modo igualmente cinzento, essa parece ser a verdadeira política a longo prazo de Israel para a Cisjordânia. O pessoal vai comprando terras, fazendo assentamentos, ocupando aos poucos o espaço que pode aumentar a segurança do país. Mas oficialmente é preciso dizer o contrário, eventualmente desfazer alguns assentamentos etc.

Na Faixa de Gaza não dava para fazer algo semelhante porque a área é muito menor - vá de São Paulo a Jundiaí pela estrada velha de Campinas e olhe o mais distante que puder à direita e à esquerda, é mais ou menos a mesma coisa - e não havia como deslocar significativamente os palestinos dentro dela. 

Sempre foi possível, no entanto, deslocá-los para fora dela. E quando Israel começou a enviá-los para o sul para limpar o norte, me pareceu que o objetivo era justamente não permitir outro 7/10 "na fonte", retirando as pessoas de lá e tornando seu retorno inviável. 

Creio que o fato de Trump ter aberto o jogo só mostra que a inviabilidade está praticamente consumada. E é claro que no primeiro momento o pessoal reagiria como reagiu, dizendo que isso é um absurdo, os palestinos têm direito à sua terra e tudo o mais. Mas é só olhar algumas fotos para cair na realidade. 

Grande parte da região virou um monte de entulhos. Quanto tempo levaria para limpar tudo aquilo, encontrar os túneis que faltam e construir novas avenidas e habitações? E do que as pessoas viveriam voltando subitamente para lá depois de anos? As redes da economia não se formam de uma hora para outra. Quem montaria o açougue, quem criaria o animal para abastecê-lo, no que trabalhariam seus clientes?

É evidente que não dá para obrigar toda aquela população a se deslocar para outro lugar. Mas é possível encontrar países que aceitem parte dela e oferecer essa possibilidade aos que desejarem recomeçar a vida em outras paisagens. Calcula-se que quase 10% dos habitantes da região foram embora por conta própria desde o início da guerra, muitos outros iriam se tivessem uma opção viável.

O chicote da terra arrasada já existe e vai continuar batendo durante o tempo que Israel e os EUA quiserem; a cenoura de para onde ir pode ser negociada e estimulada, talvez até financeiramente. A tendência é que muito mais gente acabe indo embora.

Mas nem todos irão, por motivos diversos muitos insistirão em ficar. E a solução talvez seja manter essas pessoas numa área menor e mais vigiada, na parte sul da atual. Fazer o quê? Quando não dá para resolver no preto ou branco, diminuir a faixa cinzenta pode ser interessante.

Retirada da Folha e mostrando como Gaza poderia ser sem o Hamas, a imagem acima é de um comercial veiculado numa plataforma de streaming há cerca de um ano.


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