quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Engane-me se for capaz

Se você for apresentado a Frank Abagnale Jr. vai tratá-lo como o golpista que ele foi 60 anos atrás - retratado no filme Prenda-me se For Capaz - ou como o consultor de segurança multimilionário que ele se tornou após ter sua pena reduzida em troca de ajudar o FBI a identificar fraudes bancárias?

Assim são as coisas, pessoas e instituições podem mudar radicalmente de posição em alguns anos, quanto mais em décadas. E o que interessa para fins práticos não é o seu passado distante, mas o que elas estão fazendo agora.

Não na Folha. Ao explicar o que faz no Brasil a Usaid, a agência de ajuda externa dos EUA que Trump pretende fechar, o jornal voltou ao tempo em que o jovem Frank enganava meio mundo e se limitou a comentar seu papel na instalação do nosso regime militar. O que a agência fez nas décadas seguintes só mereceu um curto parágrafo final:

Com o fim da ditadura militar e da Guerra Fria, a Usaid seguiu trabalhando no Brasil, mas apoiando projetos em andamento ou financiados por outras instituições, em uma escala de atuação menor depois que Washington deixou de tratar a América Latina como prioridade para voltar os olhos ao Oriente Médio e a Ásia.

Ou seja, a agência era perversa e de direita (extrema direita), mas depois virou uma coisa inofensiva e até meio fofinha, que o Trump por algum motivo desconhecido (maldade, provavelmente) quer agora encerrar. Recado dado, texto aprovado, vamos publicar para ver se dá para enrolar o pessoal.

Não deu. Neste momento o X da Folha reúne mais de 100 comentários sobre a matéria e praticamente todos repetem que a Usaid apoiou os golpes de 64 e 2022, agiu para derrubar o "Trump do Sul" e instalar o atual regime de exceção. E não adianta a Folha querer passar pano no processo em que também está envolvida, pois as pessoas já sabem a verdade. Como escreve uma comentarista:

Sim. E também apoiou as eleições que elegeram o descondenado e a perseguição permanente a Bolsonaro. Informação é Poder. E esse poder não está mais na mão da mídia militante, como vocês. Tem mais por vir. Muito mais!

Pois é dona Folha, o Frank mudou, a Usaid mudou, os tempos mudaram. Mas a senhora continua achando que os incautos não sabem das novidades e cairão em seus truques antigos. Está parecendo um batedor de carteiras que ficou velhinho e já não consegue conter o tremor das mãos, mas insiste em seguir na profissão.

"Attenzione pickpocket" gritam as redes até para os mais novos. Não são os malandros já idosos e sem agilidade que as irão enganar.


Imagem acima: cena de Pickpocket, filme de Robert Bresson lançado no final de 1959, quando o Frank tinha apenas 11 anos.


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