domingo, 19 de janeiro de 2025

A esquerda é woke

Será que a maldição das filósofas esquerdistas passou da hater da classe média  e da mulher-cu para as colegas estrangeiras? Seja como for, nem precisei ler A esquerda não é woke, da filósofa americana Susan Neiman, para resumir a obra. Bastou a entrevista dela à BBC, cuja íntegra você encontra aqui.

O fundamental está logo no começo. Desmentindo o próprio título, a esquerda seria um pouco woke porque ambos ficam ao lado dos oprimidos. Confirmando o título, ela não é woke porque este se limita a um grupinho e isso é coisa da direita, para quem você só consegue formar irmandades coesas em tribos menores, de uma família a uma nação.

Segundo a filósofa, a verdadeira esquerda seria universalista, aberta, inclusiva etc. Ôpa, mas esse conceito se aplica apenas à Europa e EUA? E os regimes autoritários de esquerda e os esquerdistas que os apoiam em toda a América Latina? Foi o entrevistador, que tem um nome latino, quem perguntou.

Mas a Susan enrolou. Se disse surpresa com a receptividade do livro em países governados por esquerdistas como Boric e Lule, pulou para os trans no banheiro (um tema inventado pela direita, pois as pessoas fecham a porta quando vão ao banheiro) e daí para o lançamento do livro em países como Tailândia e Coreia (do Sul, não a de esquerda).

Cabra bom, o entrevistador voltou à carga perguntando sobre a esquerda que, ao contrário do Boric, apoia a luta armada. E fazendo a pergunta que a gente gostaria de ter feito: mas a luta de classes que está base histórica da esquerda já não seria uma espécie de tribalismo? E a Susan enrolou de novo:

Não acho que a redução de classe seja melhor que a redução de raça. E se pensarmos por um segundo, nem Marx, nem Engels, nem Lênin, nem Trotsky vieram da classe trabalhadora. Há incoerência no próprio marxismo em relação a essas bases. Tentar discutir classe 150 anos depois, quando em nenhum lugar do mundo a classe está estruturada como na época de Marx e Engels, faz muito pouco sentido para mim.

Mas ele não pediu para discutir classe hoje, filósofa. Ele só perguntou se o tribalismo woke já não estava embutido no da classe social, caso em que seria um herdeiro que veio ocupar o lugar deixado vago quando a redução que está na origem da esquerda passou a fazer "muito pouco sentido".

E a luta armada? Pelo menos ela respondeu, se fosse uma colega brasileira teria feito de conta que a resposta a uma questão vale para as duas. Mas foi outra enrolação:

Sobre a luta armada, não tenho certeza se há bons exemplos de lutas revolucionárias armadas que tenham dado certo a longo prazo. Uma crítica do livro na Alemanha dizia: "Ela não é realmente de esquerda, é uma social-democrata, não acredita na revolução armada. Eu diria a qualquer um que ainda acredita na revolução armada em um mundo armado até os dentes, que teríamos sorte se não explodíssemos uns aos outros em um futuro próximo.

Para resumir, Susan parece acreditar numa "verdadeira esquerda" que é tudo de bom. Woke, ditaduras, Marx, não há o que não possa ser descartado se ameaçar essa pureza. O problema é que conforme ela vai eliminando o que a incomoda sobra pouca coisa palpável. Resta só uma coisa etérea e fútil, uma espécie de sinalização de virtude.

E sinalização de virtude é o que não falta no universo woke.

 

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