Não consegui dormir. Acompanhei cada passo da apuração e saí ainda de madrugada para ver Pai Emílio. Tinha que falar com ele, aquilo era simplesmente inacreditável! As conchas da semana ainda mal enchiam a primeira mala, mas mesmo assim eu a joguei na caçamba do utilitário e peguei a estrada.
Conchas!? Ah, sim, deixe-me explicar. Pai Emílio tem um filho que é garimpeiro e vive junto ao veio secreto que descobriu, enviando-lhe o ouro que encontra para ser vendido mais caro na cidade grande. O problema é que, imerso naquele seu reino espiritual, desligado das coisas materiais, o velho sábio chega a ser um tanto ingênuo e poderia ser facilmente enganado pelas raposas desse mercado.
Eu me senti na obrigação de lhe dizer isso ao saber da história. E Pai Emílio não só aceitou minhas ponderações como me solicitou que cuidasse das vendas em seu lugar, o que fiz de coração, feliz por ajudar uma pessoa tão boa e aceitando apenas o ressarcimento de despesas como pagamento. E assim estávamos até que ele me pediu que mudasse para o litoral e passasse a lhe trazer carregamentos de conchas todas as semanas.
- Conchas, Pai Emílio!?
- Sim, fio, deixa eu lhe explicar. Hoje elas não vale nada, mas eu quero dar uma vida mió pros bisneto e as entidade me contaram que no futuro o ouro vai ser fabricado e não vai valer nada, mas as concha vai quase desaparecer por causa das mudança climática e vai custar uma fortuna.
- Mas a coisa não pode mudar a esse ponto.
- Pode sim, fio, pode. Esse país vai ser muito diferente do que é hoje, quem viver verá. Só o que não vai mudar é a safadeza do povo - disse ele, bem-humorado como sempre, dando uma daquelas suas gostosas gargalhadas.
Não adiantava discutir. Decidido a confiar em seus guias, Pai Emílio insistiu para que eu aceitasse e acabou por me oferecer uma condição verdadeiramente excepcional. Topei. Larguei tudo e fui morar na praia, contratei uns caiçaras para catar as conchas e passei a subir toda semana com elas como estava fazendo agora.
Cheguei e já fui entrando, pois tenho essa liberdade. Pensei que Pai Emílio estaria recém tomando o café da manhã, mas o escutei falando com alguém em outra parte da casa e comecei a folhear uma revista velha enquanto me sentava no sofá para esperá-lo. E ele logo apareceu, me saudando sorridente:
- Que aconteceu, fio, caiu da cama?
- Sei que cheguei muito cedo, só que pelo jeito o senhor também madrugou. Mas não quero lhe atrapalhar, eu espero, pode continuar atendendo seus clientes.
- Não é cliente não, é dois colega do meu menino. Como eles viaja muito, eles traz o ouro e eu mando as concha pra ele guardar pros fio e neto dele. Esses dois menino também são muito bom, trabalhador, gosto muito deles. Mas eles já tava de saída, não se preocupe, diga lá o que lhe traz aqui.
- O senhor ainda pergunta?! Sua previsão sobre o Trump, Pai Emílio! Ela estava exata, perfeita! Me lembro de suas palavras de 2020 como se fosse hoje: "vai parecer que ele vai ganhar, depois vai parecer que não, mas ele vai acabar ganhando". É incrível! Quatro anos antes e o senhor acertou em cheio!
- Que é isso, fio, a gente é só um humilde canal pras força superior. Elas que sabe.
- Quando alguém poderia pensar que um presidente não reeleito venceria a eleição seguinte? Eu confesso que fiquei decepcionado na ocasião, achei que o senhor tinha errado, só agora, ao ver a profecia se realizando, entendi que o "vai acabar ganhando" se referia a 2024. Me desculpe por ter duvidado de seu poder.
- Precisa desculpar não, fio, essas coisa é muito normal. O mundo espiritual tem os tempo dele, que é diferente dos nosso. E às vez as entidade fala de um jeito embolado e a gente tem que transmitir como escuta pra elas não pensar que é desrespeito e cortar nossa conexão.
Nisso os dois visitantes apareceram na sala, disseram que já haviam carregado as conchas e pediram licença para tomar uma água na cozinha. Seu linguajar era diferente e eles se vestiam de modo estranho, com uma espécie de macacão brilhante de plástico branco que só deixava seus rostos de fora. Comentei isso rapidamente com Pai Emílio, que me sussurrou baixinho a explicação:
- Eles é de Roraima, deve ser assim que fala por lá. E os macacão é de tecido especial pra proteger da radiação da mina.
- Radiação? A mina não era de ouro? Tem urânio por lá?
- Também, fio, também. É uma região rica demais.
- Ah!
Os dois reapareceram e me cumprimentaram com a cabeça. Um deles se despediu de Pai Emílio daquele seu modo peculiar:
- Nobre Pai Emílio, retiramo-nos agora deixando-vos nossos votos de fantástica saúde e esplendorosa felicidade.
- Igualmente procê, João Carlos. Procê também, Aderbal, manda a patroa preparar a feijoada daquele jeito que eu falei e ocê vai ver a delícia que fica. Vai com Deus os dois, lembrança pras família. E dirige com cuidado, sem pressa, ocês têm tempo de sobra.
Enquanto eles sorriam e trocavam essas afetuosas saudações, fiquei pensando se devia tocar naquele outro assunto que tanto nos preocupa. Acabei concluindo que não tinha problema e, quando os dois esquisitos se foram, perguntei:
- E o Bolsonaro, Pai Emílio? Ele vai recuperar os direitos retirados pela ditadura? Conseguirá também voltar na próxima eleição?
Infelizmente, não deu para saber. Pai Emílio esclareceu que as lutas que nós vemos aqui são um reflexo das que acontecem no mundo espiritual, onde ainda não há um consenso sobre essa questão. Temos que esperar o tempo deles, reiterou. Assim, aguardemos, logo que tiver uma resposta eu lhe conto.
Por enquanto vou voltar pras conchas que são minhas também, pois estou guardando algumas para meus futuros netos. Aliás, como virei empresário da área, posso pegar umas baratinho pra você. Não despreze a oferta, lembre que Pai Emílio não erra. Pode demorar um pouco, mas mais à frente vai dar tudo certo de novo. Como deu pro Trump.
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