Como esse pessoal só conversa entre si, não deve ter a mínima noção do quão ridículo parece com suas análises caricaturais de Donald Trump e seus auxiliares. O texto de dona Dorrit Harazim é um pouquinho longo, mas vale a pena comentá-lo (em azul) porque acaba sendo engraçado.
Animal perigoso
Estonteado desde a derrota de 5 de novembro, o Partido Democrata americano nem sequer teve tempo de lamber as feridas pela perda tríplice da Casa Branca, da maioria no Senado e da maioria na Câmara. A cada dia Donald Trump oblitera um pouco mais os vestígios restantes da infeliz candidatura de Kamala Harris.
Agora é infeliz, há duas semanas era espetacular.
O tratamento de choque é ardilosamente calibrado. Todo dia o ex e futuro presidente anuncia novo indicado para compor o primeiro escalão de seu governo. A lista inicial é puro-sangue, de lealdade irrestrita e obrigatória ao chefe.
Trump malvadão, vai anunciando aos poucos para as pessoas boas como Dorrit sentirem ainda mais. E o danado só quer auxiliares leais, veja se pode.
De resto, os indicados são ecléticos, e pessoas minimamente sensatas fariam bem em deles manter distância. A seguir, algumas pinceladas, começando pelo mais polêmico e insustentável. Matt Gaetz, designado por Trump para procurador-geral, sobre quem a jornalista Bess Levin escreveu na Vanity Fair: "Equivale a nomear um serial killer para o cargo de cirurgião-geral."
Que horror, foi criticado na Vanity Fair!
Gaetz, de 42 anos, queixo e cabeleira kennedyanos, mas olhar de Jack Nicholson em “O iluminado”, pouco exerceu a advocacia antes de se tornar deputado federal pela Flórida. Na quarta-feira, renunciou ao mandato, antecipando-se à divulgação de um dossiê “altamente comprometedor” pelo Comitê de Ética da Câmara, que há três anos o investiga por tráfico sexual e uso de drogas. Ao renunciar, Gaetz conseguiu abortar a jurisdição da comissão parlamentar, mas dificilmente evitará que o relatório venha a púbico. Até porque também já foi acusado de promover um campeonato de sexo entre legisladores — vencia quem mantinha o maior número de relações com estagiárias, virgens e universitárias. Gaetz talvez seja o único com chances mínimas de sobreviver à sabatina no Senado — mesmo um Senado de maioria republicana.
Desta vez é a Dorrit que foi malvada, nos deixando essa imagem dos chefes pegando as estagiárias virgens e universitárias. E acho que ela esqueceu que o Clinton também era praticante do esporte.
A republicana Kristi Noem governa Dakota do Sul há cinco anos. Foi pinçada por Trump para chefiar o pantagruélico Departamento de Segurança Interna, composto por 22 agências federais, com a missão de “executar uma das operações de deportação mais maciças da história americana”. Sua biografia pouco tem de notável, exceto por um episódio que narra em seu livro de memórias, “No Going Back...”: como e por que ela levou Cricket, o filhote de 14 meses da família, até uma pedreira e ali o executou com um tiro à queima-roupa. O pointer era desobediente, não aprendia a caçar. Odiava-o, explicou. Também contou ter matado uma cabra pelo mesmo método. Trump, que notoriamente também detesta caninos, gostou do episódio.
Com certeza, esse deve ser o único trecho importante do livro e da vida da Kristi. E agora eu fiquei na dúvida: Será que o Trump a convidou para deportar "latinos" e ela aceitou porque entendeu "caninos"?
A indicação de Mike Huckabee para a embaixada americana em Jerusalém é o que se poderia chamar de encontro de almas. Ele governou o Arkansas por quase uma década, é ministro da Igreja Batista, milita no sionismo cristão, tentou por duas vezes ser o candidato republicano à Casa Branca. Huckabee não chegou nem perto, mas fez história ao afirmar que “na verdade, não existe o que chamam de palestino” e “tampouco existe a Cisjordânia — o que existe é Judeia e Samaria”. Aos assentamentos ilegais de israelenses na Cisjordânia Ocupada ele dá o nome de “comunidades”. Cessar-fogo em Gaza? Nem pensar. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deve estar contando os dias para a chegada do novo embaixador.
Mas não existe mesmo o que chamam de palestino, não no sentido de um povo e cultura milenares. E quanto ao resto ele também tem suas razões.
Entre os que dependem de confirmação pelo Senado também está Robert Kennedy Jr., um fio desencapado na política que seduziu Trump não apenas pelo sobrenome da cultuada dinastia. Negacionista feroz da eficácia das vacinas, promotor de inúmeras teorias da conspiração e adversário combativo dos alimentos ultraprocessados, Kennedy é um poço de esquisitices.
Tinha entre 4 e 10% nas pesquisas e desistiu para apoiar Trump, só por isso já merece o cargo. E não é "das vacinas", ele critica um experimento que nem pode ser chamado de vacina porque não evita a doença. Negacionista (dos fatos) é você, Dorrit.
Mais de uma década atrás, ao perceber uma aguda perda de memória somada a outros efeitos de cognição, submeteu-se a uma bateria de exames de imagens que apontavam para um tumor cerebral. Às vésperas de ser submetido à cirurgia, conta o New York Times, percebeu-se que o cisto em questão era um parasita que havia conseguido penetrar no seu cérebro, dele se alimentado e morrido. O raro fenômeno atende pelo nome de neurocisticercose.
Para Dorrit, os médicos errarem o diagnóstico vira um defeito do paciente.
Kennedy também já foi diagnosticado com envenenamento por mercúrio, fibrilação atrial e sofre de disfonia espasmódica nas cordas vocais, o que torna a sua fala um tanto agoniada e rouca. Sem falar numa doentia, e autodeclarada, compulsão por sexo. Trump não apenas o quer na chefia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, como quer que dê vazão a suas ideias mais extravagantes.
Dorrit insiste que o mal do Kennedy é não ter uma saúde de ferro! Quanto ao vício em sexo, vamos ver como ele se sai no campeonato das estagiárias virgens.
Há os que não dependem de confirmação pelo Senado, como a dupla de bilionários desiguais - Elon Musk, cuja fortuna beira os US$ 309 bilhões, e Vivek Ramaswamy, com seu mísero US$ 1 bilhão - elencados para codirigir um fantasioso Departamento de Eficiência do Governo. Como primeiras ideias da dupla, a eliminação do Departamento de Educação, da Receita Federal e do FBI. Deles falaremos noutra ocasião.
Será que a desigualdade entre bilionários é a nova injustiça social? Talvez a moça da Vanity Fair tenha a resposta. Quanto às "ideias" e ao "fantasioso" preferimos esperar as ações reais.
Por ora, ficamos com uma frase do escritor Ben Tarnoff para a New York Review of Books: "Um império em decadência é um animal perigoso."
Um jornalismo em decadência gera um zoológico patético.
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