domingo, 27 de outubro de 2024

Desilução, desilução

"Mesmo vivendo nos EUA há 40 anos, devo ser ingênuo por estar chocado com o fato de que, para quase metade dos eleitores, a gritante desintegração de coerência em Trump, o abuso maligno, o mentir diário, o desprezo pela Constituição, o apaziguamento a ditadores não representam o menor impedimento para que ele seja eleito presidente e lhe sejam entregues os códigos nucleares. Milhões, portanto, de fascistas e tolos."

As palavras do historiador Simon Schama são citadas pela tal Dorrit Harazin, integrante da turminha de gringos atualmente compartilhados por nossos três jornalões que, em O Globo de hoje, chama de "pesadelo" a possibilidade da woke gargalhadeira ser chutada pelo eleitor americano.

Pobre Schama, desiludiu-se, descobriu-se um bobão. E ainda nos deixou em dúvida sobre sua capacidade como historiador. Se o cara não consegue ver os malefícios dos democratas e não lembra que não houve nada de absurdo no primeiro mandato de Trump, como confiar em seu julgamento sobre o que aconteceu na Revolução Francesa?

Suicídio assistido

No mesmo jornal, o igualmente desiludido Vladimir Safatle diz que a esquerda poderia ter tentado ressuscitar nesta eleição, mas aceitou seu "suicídio político" em casos como o do empreendedorismo da periferia, que ridicularizou inicialmente para depois usar a "gramática do adversário para organizar sua posição".

Segundo ele, há estudos mostrando o desgaste psicológico provocado pela luta diária do pequeno empreendedor e a esquerda deveria vender a verdadeira solidariedade entre os destituídos, inclusive porque "não sabemos coisa alguma sobre empreendedorismo, nada, ninguém nunca empreendeu na esquerda".

Mas ele reconhece que isso não seria fácil quando admite, em outra de suas desiluções, que a esquerda detém o poder central há um tempão e só fala e fala, sem melhorar a vida de ninguém. Ou quase ninguém, né Vlad? Os líderes esquerdistas estão muito bem, pena que empreender com sucesso na política é só para essa elite.

Fantasia conspiratória

Já a BBC Brasil entrevistou o doutor em semiótica Paulo Demuru, para quem a esquerda está se dando mal porque, lógica e racional que é, não está conseguindo vencer as "fantasias de conspiração" da direita, nome que ele prefere porque admite um aspecto lúdico não encontrado em "teoria da conspiração".

Esse aspecto do seu discurso é legal, pois é verdade que descobrir um grande esquema que estaria sendo escondido é "por si só maravilhoso, encantador, algo que tira a pessoa da mediocridade, da rotina, do cotidiano", permitindo-lhe "entrar no pequeno círculo de escolhidos que sabe 'a verdade'".

E ele também não está errado quando diz que não basta combater teorias infundadas com desmentidos racionais ao estilo das agências verificadoras, pois você fica sendo o chato que corta o barato. Seria necessário que o pessoal racional oferecesse uma resposta igualmente atrativa.

Um problema do Paulo é colocar no mesmo balaio fatos como o esquema globalista e teorias malucas do QAnon. Outro é desconhecer que a esquerda mente muito mais (fantasia muito mais) que a direita, basta ver o que ocorre nas "notas de comunidade" do X ou qualquer sistema de correção que não seja dominado por seus militantes.

Para culminar, quando instado a dar um exemplo de resposta que também estimule a imaginação, ele cita o Nelipe Feto. PQP, Paulo, você tinha começado tão bem. Assim é a gente que se desilude com você.

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