terça-feira, 7 de maio de 2024

Deslumbradonas

Calça social de tergal. Se você é jovem pode não acreditar, mas era isso que o esquerdista do passado usava. Não o velho, o jovem da época, estudante universitário. Calça jeans era símbolo do imperialismo ianque (ainda não havia estadunidenses), que assim dominava culturalmente os colegas alienados.

Rock nem pensar, sua vitrola normalmente só aceitava o Chico, as choradeiras da Mercedes Sosa e equivalentes. Ao que me consta foram os libelus que quebraram esse padrão, porém ainda sem rock, tocando Alceu Valença ou outros cantores nacionais em festas regadas a muita birita e unas cositas más.

Uma rápida digressão: terá sido num desses festejos que o jovem Reinaldo, recém chegado do interior com sua maletinha de táubua, acabou se perdendo para sempre?

Mas o processo histórico não para e as coisas foram mudando, mudando... E tanto mudaram que um belo dia, quando a gente prestou atenção, tinham se invertido de vez. Em inúmeros sentidos, na subordinação a pautas vindas dos EUA, nas roupas, nas músicas, nas referências culturais.

Pegue o exemplo do Big Brother, ele é mais comentado na Folha ou na Gazeta do Povo, pelos articulistas do DCM ou pelo Rodrigo Constantino? Eu tive a oportunidade de comprovar isso ao acompanhar as postagens da Nina Lemos, uma quase intelectual que tem um marido alemão e escreve para um portal alemão.

Ela falava sobre o BBB no seu X e os seus conhecidos respondiam com entusiasmo, todos eles assistiam aquilo, sabiam quem era quem, torciam por um ou outro participante. Ela publicou artigos sobre o programa, defendendo, com números, que "os brasileiros" o apreciavam como nenhum outro povo.

Mas que brasileiros, Nina? Do outro lado do espectro político, entre os que antes eram chamados de alienados, ninguém se preocupava com o próximo paredão. Podemos comprovar por nós mesmos, em milhares de comentários o BBB nunca foi motivo de discussão aqui no blog.

Agora o fenômeno se repete com a Madonna. Do Estadão ao Brasil 247, o deslumbramento com a cantora que antes representaria a decadência capitalista-burguesa foi total. Muitos chegaram a tratá-la como uma correligionária que veio mostrar como a esquerda pode deixar de passar vergonha e encher as ruas novamente.

E tanto eles acreditaram nessa fantasia que passaram a imaginar que a direita também estava de olhos grudados no show e ficou apavorada com o que viu por lá. Veja, por exemplo, estes trechos de um artigo do Esgotão:

O que chocou a extrema direita e lavou a alma da esquerda foram Pablo Vittar e Madonna vestindo a camisa da Seleção e empunhando a bandeira do Brasil, mostrando que esses símbolos não têm dono (...) É a maioria silenciosa que está lá e que leva para a rua quem estiver em sintonia com o século 21 (...) A extrema direita ficou assustada. Toda essa gente pode ser atraída pela esquerda se esta usar essas coisas tão em desuso chamadas neurônios. Ora, os reaças não usam Jesus para juntar multidões para seus atos políticos? Por que não usamos aquela que leva o nome da mãe dele para tanto?

Alguém chocado e assustado por aí? Preocupado com a possibilidade dos petistas reunirem multidões em comícios abertos por astros internacionais? Talvez receoso de que eles invadam as lojas de material esportivo e acabem com o estoque de camisas da Seleção, a calça jeans do esquerdista atual?

É o contrário, está todo mundo satisfeito em ver que eles estão mais apartados do mundo normal do que quando usavam calça de tergal. Os que os manipulam podem ser perigosos, mas não se pode negar que os manipulados são bem divertidos de vez em quando.

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