Agora que o assunto está ganhando o mundo, como explicar adequadamente ao estrangeiro o que aconteceu por aqui? Intrigas políticas, traição, corrupção e coisas do tipo ele entende, pois também há disso por lá. Mas o golpe que nós sofremos envolve idiossincrasias que lhe são completamente estranhas.
Uma saída seria utilizar referências culturais que ele já possui, filmes que todos até ontem julgávamos serem limitados ao universo da ficção, mas dos quais o roteiro da nossa política acabou por se aproximar de maneira surpreendente. Luzes, câmera, ação! Vamos lá!
Idiocracia
A constatação de que possuímos um enorme contingente de palermas é a base para entender o restante. Num exemplo disso, apesar de toda a roubalheira, Bolsonaro só não se reelegeu porque imbecis ditos de direita concluíram que a melhor forma de combater a esquerda era levá-la ao poder e fortalecê-la. Pode isso? Aqui pode.
Conhecendo-a, a turma do STF abusou dessa característica. Imagine-se pedindo um extrato ao seu banco e este respondendo que só o fornecerá se você provar que ele o roubou. Impossível? Pois era o que um supremo dizia quando pediam a impressão do voto para auditar o resultado da eleição. E muitos aceitavam essa "justificativa"!
Um truque similar foi usado para dar ares legais aos inquéritos abertos de ofício e conduzidos em segredo. O regimento do STF permite que isso seja feito para resolver questiúnculas internas. Pois eles concluíram que, como o tribunal usa a internet, tudo que a envolvesse deveria obedecer ao seu regimento. E os levaram a sério!
É difícil acreditar, mas no Brasil há idiotas que não veem o absurdo disso. Se as "autoridades" dizem que está certo, eles acham que está. Se disserem que a eleição foi limpa, juram que foi. E ainda que depois a autoridade confesse com orgulho que "nós derrotamos o bolsonarismo", eles não conseguem ligar uma coisa à outra.
Minority Report
Comprar uma marreta não é crime. Mas passa a ser se você for precog e verificar que o comprador está pensando em utilizá-la para arrombar um banco. Foi mais ou menos assim que surgiu a história do golpe dos bolsonaristas revoltados com a derrota nas eleições. Golpes, pois são dois.
Um é o dos idosos condenados por "tentativa armada" de derrubar o governo. Alguém poderia objetar que eles não tinham armas nem estavam associados a quem as tivesse. Mas aí é que está o segredo. Eles gostariam de estar, tinham esse desejo, pensavam nisso. Cana neles. E sem anistia, grita o abobado do filme anterior.
O outro golpe não passou de uma reunião para discutir a possível decretação do Estado de Sítio ou de Emergência, dois mecanismos constitucionais que dependem da aprovação do Congresso. Mas os precogs brasileiros concluíram que Bolsonaro é golpista porque pensou em aplicá-los para dar início a uma ditadura.
Uma noite de crime (The purge)
Na franquia original as pessoas são autorizadas a cometer todo tipo de crime durante 12 horas em todo país. Estendida no tempo e limitada no espaço, a versão "várias noites de crime" foi oferecida quando um dos supremos proibiu a polícia de combater o crime nos morros cariocas por tempo indeterminado.
Mas quem mais se aproximou do enredo cinematográfico foi a ministra que reconheceu que a censura era ilegal e, imediatamente a seguir, decretou que essa lei não precisaria ser cumprida por um prazo limitado ("até 31 de outubro"). Depois esse limite foi estendido indefinidamente, mas a ideia original era a do filme.
Ressalte-se que a censura seria legal se estivéssemos em Estado de Emergência ou de Sítio. Os supremos poderiam ter dado mais um jeitinho e decretado um dos dois. Mas isso seria perigoso. Os precogs poderiam acabar descobrindo que os verdadeiros golpistas sempre foram eles.
O homem que matou o facínora
Estrelando: Elon Musk.
Nenhum comentário:
Postar um comentário