terça-feira, 30 de abril de 2024

Famílias progressistas

"As escolas são microcosmos dessa nossa sociedade estruturalmente racista e violenta. Nos consideramos uma família progressista, que há anos busca caminhar e evoluir numa educação antirracista. Nossa filha (...) é uma adolescente em formação como cidadã - como os filhos de todos vocês. Que comete erros e acertos, como todos nós já cometemos em nossas vidas."

As palavras são dos pais de uma das colegas acusadas de escrever ofensas racistas contra a filha da atriz Samara Felippo. No restante da mensagem, enviada ao grupo de pais de alunos da 9ª série, eles relatam seu choque com a confissão espontânea da filha e dizem que decidiram retirá-la da escola.

Menos uma para a Samara querer expulsar. Mas imagino o drama de consciência dos pais progressistas. Logo eles que deveriam ser um exemplo. Agora serão motivo de chacota dos vizinhos, quase todos bolsonaristas de extrema direita que certamente já estão se divertindo muito com o episódio.

Será que eles devem mudar também de prédio? Talvez até de cidade? Será que lá pelas tantas eles também sucumbem às arcaicas estruturas sociais e rola o famoso "a culpa é do senhor, a culpa é da senhora"? E, finalmente, será que eles são senhor e senhora? Progressistas, não dá para ter certeza de nada.

Não dá mesmo, tive uma amostra disso esses dias através de uma irmã que mantém um estreito contato com uma amiga de adolescência, nossa vizinha na época. Casada com um carioca, ela vive no Rio há décadas e tornou-se recentemente avó. Eles trabalham, votaram em Bolsonaro, são pessoas normais.

Mas, politicamente falando, um dos filhos não é. Ele nem era muito ligado nisso, mas quando o negócio de eventos que estava tocando nunca mais teve dificuldade para arrumar clientes depois de se aproximar de grupos petistas, tornou-se um adepto da causa. E casou-se com uma adepta ainda mais fervorosa.

Essa moça, nora da nossa amiga, é filha de pais que se dariam bem com os progressistas acima citados. Principalmente sua mãe, uma alucinada cheia de teorias de comportamento e alimentação. A filha não negou a mãe. O marido da filha entrou no embalo. E a menininha recém nascida paga o pato.

Nossa amiga foi ver a netinha e descobriu que seus pais haviam definido que, por um motivo qualquer, as visitas não deveriam ter mais de 15 minutos de contato com a criança. Imaginou que aquilo era para estranhos, porém, 14 minutos depois, foi convidada a se retirar.

Outra regra à qual a avó precisa se sujeitar diz respeito às cores. É proibido dar roupas e presentes de cor rosa ou azul para não influenciar o desenvolvimento da sexualidade da menina. Os pais são cis e heteros, mas ela tem que decidir livremente o que será. Vestida de cinza até lá.

E aí, depois de todo esse cuidado, a danada da filha cresce e se junta com as amigas baderneiras para escrever bobagens no caderno da coleguinha de outra cor. Você acha graça porque é um bolsonarista insensível, mas não é fácil ser uma pessoa evoluída e enfrentar essa sociedade estruturalmente racista e violenta.

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