Passado o bombardeio para tentar apresentar uma discussão sobre dois mecanismos constitucionais como prova definitiva de um "golpe", o exército da grande imprensa amanheceu falando lateralmente do tema e mais dedicado a explicar como um bom governo pode ser mal avaliado pela população.
No O Globo tem até um artigo questionando a antiga máxima de "é a economia, estúpido" para ressaltar que o estranho fenômeno se repete nos Estados Unidos. Lá como cá, diz o jornal, os atuais governos vão bem em termos econômicos, mas o pessoal não se comporta como os militantes da foto acima.
Poderíamos acrescentar que nosso desgoverno só é bom na cabeça deles, mas o fundamental está correto: numa sociedade culturalmente dividida a economia deixa de ser um fator decisivo. O que conta são os "valores", parece que a ficha está finalmente caindo. Tanto que, lá pelo final, um dos especialistas consultados diz:
A lógica de que políticas públicas vão naturalmente se converter em melhora na popularidade não se sustenta mais. E o bolsonarismo disputa de forma mais eficiente as narrativas na base da sociedade.
A única observação é que eles se limitam a mencionar aborto, drogas, o de sempre. Num país em que quase metade da população já fala em "ditadura do Judiciário" e outra grande parte vê constantes abusos de um STF parceiro do governo, valores como liberdade de expressão não são levados em conta.
Mostrando bem a transição entre as pautas, na Folha, Vinicius Torres Freire chega a lamentar que o "montão de provas do golpe ofuscou as boas notícias da economia". Mas o artigo mais divertido é o de Muniz Sodré, para quem "as massas acordaram para a experiência política, mas sob formas perversas, captadas pela extrema direita".
Os governos do Molusco e do Biden são maravilhosos, mas ele perdem popularidade; o de Milei é péssimo, mas ele é popular. A contradição (que para ele é real) funde a cabeça cheia de teorias do sociólogo que passou décadas esperando que as massas despertassem pelo lado esquerdo da cama. Ele reclama:
São anomalias. Começa a ficar claro que elas reabrem de algum modo a noção de política.
A política parece ter-se deslocado da base normativa das forças democráticas para preocupação populares como anticorrupção e comunitarismo religioso. Da linguagem desses fatores está ausente não só a esquerda, mas também a formação política (sindicalista, social-democrata) de Lule. O que sai da boca do povo não aparece no radar de Brasília.
Novamente, nem uma palavrinha sobre autoritarismo, censura etc. Talvez eles tenham razão é essa seja uma pauta minoritária, mais de classe média. Mas num momento em que tantos reconhecem os abusos do STF, me parece que esses valores já pesam na equação. E devem ganhar ainda mais peso.
Hoje todos têm um celular na mão, todos produzem ou retransmitem informação. A censura, que no passado afetava jornais e editoras, hoje afeta qualquer cidadão. E ninguém gosta de ser calado à força. Vamos ver o que acontecerá logo à frente, talvez o pessoal se torne ainda mais ingrato do que já é.

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