terça-feira, 5 de março de 2024

A guerra nos EUA

Qualquer noção de que os eleitores agora furiosos com o papel dos EUA em Gaza "voltarão para casa" e votarão em Biden na eleição precisa de um ajuste sério. Para alguns, isso não é apenas uma disputa de políticas. É uma missão moral, e a marca da vitória é uma derrota de Biden. A questão agora é: quão grande é esse eleitorado?

Assim termina o artigo publicado esses dias na Folha por Charles Blow, do NYT. Seu foco era a comunidade muçulmana do Michigan, pequena, embora maior que a média americana, mas, talvez, capaz de influir decisivamente na eleição de um estado em que Biden bateu Trump por pouco mais de 100 mil votos (menos de 2%) em 2020.

Esses muçulmanos estão bem integrados à sociedade americana. Mas são simpáticos aos palestinos e possuem lideranças que fizeram uma campanha para o pessoal punir Biden votando em branco na prévia democrata. Almejavam entre 30 mil e 50 mil votos e dobraram a meta: mais de 100 mil.

Blow perguntou-lhes se não temem o retorno dos republicanos e do demoníaco Trump. E os caras responderam que não têm problema nenhum com isso porque já passaram por quatro anos de Trump sem maiores sobressaltos e preferem ter um inimigo honesto a um amigo que na hora H vai para o outro lado.

Como todo bom integrante da imprensa anti-Trump, Blow não prestou a devida atenção à parte do "já passaram por quatro anos de Trump". Se prestasse, perceberia que a história de que o Laranjão será num monstro não convence quase ninguém. O pessoal já viu como é e sabe que essa imprensa está mentindo.

O que assustou o jornalista foi o grau da revolta e a consciência de que ela vai além dos muçulmanos. Todo o eleitorado "progressista" é anti-Israel e está incomodado com a posição do governo americano na guerra contra o Hamas. Se a ideia de puni-lo for disseminada, o velhote já era. Gaza pode ser o Vietnã de Biden, diz Blow.

Caso geral

Creio que Blow não deu importância a algo que a médio prazo pode ser ainda pior para os democratas. Apesar da sua comparação ter sentido, a atual guerra não está ceifando vidas americanas como no Vietnã. A "causa palestina" é apenas uma escolha moral para a grande maioria dos progressistas, uma espécie de pauta identitária.

Nesse sentido, ela poderia ser substituída pelas mulheres, os negros, os trans e todo aquele cardápio. Alguns progressistas abraçam um desses itens mais fortemente, outros se dividem entre eles. Mas todos pensam que nada é mais importante que suas "causas" e os políticos que elegem devem defendê-las acima de tudo.

O problema é que isso é impossível, em algum momento o governante eleito pelos woke precisará tomar uma decisão que deixa em segundo plano a causa preferida de seu eleitor. E este, treinado para ver o mundo pela fresta de seus antolhos, se irritará e poderá até votar no adversário para punir a "traição".

No Brasil, a imprensa e as lideranças woke são bem pagas para manter seu caso gado fiel ao ladrão e têm tido sucesso por enquanto. Curiosamente, só tivemos um problema parecido em escala menor e à direita, com os meninos do MBL preferindo ajudar o PT porque Bolsonaro não fez exatamente o que eles queriam.

Mas imagine ter vários MBLs e depender de seus votos. Biden pode ser só o primeiro, esse talvez seja o cenário que os democratas americanos enfrentarão por um bom tempo. Cria cuervos...


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