Para atender aos pedidos dos plebeus que até então podiam ser enganados pelos patrícios que os julgavam por critérios que nem sempre eram claros, os romanos de 451 AC registraram suas leis e regras processuais mais importantes nas Doze Tábuas e as deixaram expostas no Fórum, à vista de todos.
Seu vizinho vendeu o filho como escravo. Você discorda, mas passa no Fórum e verifica que está escrito lá que ele tem esse direito, não pode reclamar. Parece simples. E é, tanto que a gente nem pensa que por trás disso há duas ideias mais simples ainda.
Uma delas é: as palavras significam o que significam, pai é pai, escravo é escravo etc. A outra é: qualquer pessoa, mesmo o mais humilde plebeu, consegue interpretar as frases formadas pelas palavras simples, o pai pode vender o filho como escravo significa que o pai pode vender o filho como escravo.
Porém, com o tempo, surgiram situações mais complexas e novas leis, tornando necessário impedir que umas conflitassem com outras. E essa função interpretativa acabou geralmente entregue a cortes superiores, também responsáveis por apelações finais.
Havia outra ideia simples implícita nisso, pois não se concebia que o integrante de uma dessas cortes pudesse contestar aquela parte que qualquer plebeu entende. Imaginava-se que ele jamais diria que a mãe pode vender o filho, pois mãe não é pai. Ou que o pai não pode vender a filha, pois filho pode se referir aos dois sexos.
Um romano antigo, por mais pilantra que fosse, jamais proporia uma interpretação dessas. Porém, indo direto para os exemplos próximos e recentes, alguns interpretadores acabaram deixando de lado o princípio de que as pessoas não devem ser diferenciadas por cor ou sexo e estabeleceram quotas para uma cor e um sexo.
E não pararam por aí. Embora a lei diga que casamento é entre um homem e uma mulher, eles decidiram que podia ser entre dois homens ou duas mulheres. Por que não também entre três homens e uma mulher ou outra variação? Porque eles não quiseram, eles é que decidem, não o que está escrito.
E assim foi indo até chegarmos ao ponto em que pessoas podem perder sua empresa ou sua liberdade sem julgamento. Ou podem ser julgadas em processos secretos, sem direito a individualização da acusação e a dupla jurisdição. Ou condenadas por crimes que exigem grupos armados sem terem empunhado arma alguma.
Claro que isso não surgiu do nada e não se restringiu ao campo jurídico ou a um único país. Esse caminho foi pavimentado por todo um esforço de ordem cultural, uma longa operação que envolveu a maior parte da mídia ocidental, as obras de ficção etc. A linguagem em si foi desconstruída, homem pode não ser homem, mulher pode não ser mulher, "e" pode ser sinônimo de "ou" e assim por diante.
Nesse processo, os que manejaram os cordões convenceram muito cidadão de que não ser capaz de interpretar um texto simples como um plebeu romano não o transforma em algo pior que este, mas melhor, em um dos que está junto das "autoridades", um patrício que mostra superioridade ao não seguir as regras escritas.
Tente discutir com um dos abduzidos para ver. Envaidecido por poder mostrar o que julga ser sua superioridade moral, ele passará a discorrer sobre os malefícios do pai vender os filhos, não conseguirá nem entender que a questão em discussão é o risco de um juiz escolher qual parte da lei vai cumprir ou não.
Continue, tente explicar que pessoas não podem ser punidas por um crime inexistente no texto legal ou no qual este deixa claro que não se enquadram. Ele se mostrará orgulhoso de "defender a democracia", repetindo roboticamente a desculpa que lhe deram para arrancar outro pedaço dela.
Não adianta nem lembrar que essas coisas são planejadas para isso mesmo, para que ele se sinta empoderado e as apoie num primeiro momento, mas sem nenhuma garantia de que não se voltarão contra ele amanhã. Ou até mesmo depois de amanhã, quando ele nada mais poderá fazer, contra seu filho ou seu neto.
E chegamos ao Texas
Biden quis destruir as barreiras colocadas pelo Texas para impedir a imigração ilegal e a Suprema Corte tomou uma decisão liminar que ficou um pouco em cima do muro, sem condenar realmente a atitude do estado, mas deixando aberta essa possibilidade. E o governador Greg Abbott adiantou-se e fincou pé na sua posição:
A Constituição dos EUA, que dá aos estados o direito de defenderem seu território por meios próprios, está acima da opinião dos membros de qualquer corte. As "autoridades" não podem inventar interpretações para aquela parte simples que todos entendem sem dificuldade. As palavras significam o que significam e vale o que está escrito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário