sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

As diferenças são outras

A figura maior todos conhecem. A menor é parte de uma "releitura" da obra de Debret, criada pelo mineiro Heberth Sobral. Seu objetivo, claro, é denunciar as raízes e o caráter estrutural do... do... Podemos chamar de racismo transportamental? Não sei, teríamos que perguntar para um dos inúteis do atual ministério.

Mas o ponto é que o Heberth está malandramente contando com o autobloqueio mental daqueles que, em função de toda uma propaganda de cunho ideológico, podem se iludir pela disposição dos personagens envolvidos nas duas situações e não perceber as imensas diferenças entre elas.

Em primeiro lugar, a força que está transportando o bacana dos tempos modernos é de uma máquina, não de um ser humano. O sujeito nem tem motorista, está dirigindo o próprio automóvel. E, por falar nisso, os que o atendem possivelmente têm seus veículos, mesmo que estes possam ser mais simples ou de duas rodas.

Já as pigmentações, que no passado eram determinantes, hoje não valem nada. A maioria dos ricos brasileiros têm a pele clara, mas nada impede que um negro enriqueça e grande parte dos que nós consideramos brancos pode ser descendente dos que levam o cara na rede ou do índio que abriu o caminho por onde eles andam.

E os que seguram portas de carros e pegam bagagens são negros? Em Salvador é provável que sejam, mas num hotel em Gramado a chance disso acontecer é pequena. A resposta depende muito mais do local em que se está e das particularidades de cada caso. Essa é uma diferença decisiva entre as duas cenas.

Mas a principal é que os prestadores de serviço de nossos dias não são escravos sem direito de escolha. Eles recebem ordens e atendem aos clientes enquanto quiserem, pois podem simplesmente pedir a conta e ir embora. Nem sempre é fácil largar um trabalho, mas eles têm liberdade para fazê-lo.

Se quiserem mesmo mudar, terão um número de opções que nem se sonhava no tempo de Debret. Eles certamente não estarão qualificados para a maioria delas, ninguém está. Mas ainda assim não há como comparar as duas situações. A sociedade atual é infinitamente mais diversificada.

E, o que também é relevante, muito mais rica como um todo. Hoje todos têm confortos que facilitam enormemente a vida como geladeira, máquina de lavar roupa, TV e celular. Têm uma medicina muito mais evoluída. Têm, em países como Brasil, assistência médica e educação básica gratuitas.

Claro que há modelos de celular mais baratos e mais caros e você pode se fixar em diferenças como essas para dizer que nada mudou, como fez o Heberth. Mas a realidade é que, como já foi observado por muitos, boa parte dos pobres de hoje vive em condições que muito rico do passado invejaria.

Aliás, agora que eu prestei atenção. Numa época em que ser "robusto" era valorizado, o mais magrinho da gravura do Debret é o cara da rede. Pior que ele só o cachorro. As crianças têm aspecto saudável. E os carregadores são atléticos e parecem descansados, é óbvio que são bem alimentados e não são submetidos a esforços extenuantes.

Talvez, dentre as opções de então, a tarefa não fosse tão ruim assim.


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