Recentemente, arqueólogos que faziam escavações na margem direita do Eufrates encontraram ruínas de uma cidade perdida, da qual nada se sabia até agora. Entre as tabuletas de argila já recuperadas e traduzidas, quase todas se referem aos episódios que parecem ter precedido sua destruição.
Esses relatos começam quando os habitantes da cidade são informados que um poderoso exército assírio está marchando em sua direção e convocam o conselho local para organizar sua defesa. Todos procuram colaborar, até que Emebealazar toma a palavra e sugere que eles se isentem da responsabilidade e nada façam.
Os demais protestam, lembrando tudo que pode lhes acontecer se caírem nas mãos daqueles terríveis conquistadores. Mas Emebealazar se mantém irredutível, argumentando que o governante da cidade tomou atitudes que não o agradaram e, portanto, tanto faria submeter-se a ele ou a um assírio.
Os anciãos perguntam-lhe se imagina que existe algum governante perfeito, salientam que o deles enfrentou com sucesso uma peste que devastou cidades vizinhas e repetem que o principal é a liberdade do povo, que nunca foi tão grande antes e será perdida caso eles se entreguem aos invasores.
Outros perguntam quem Emebealazar julga que deveria governá-los, para que possam analisar suas qualidades. Mas ele não dá nome algum, apenas sugere que todos sacrifiquem juntos para que os deuses os inspirem a encontrar o governante ideal.
Premidos pelo tempo, os conselheiros deixam essa discussão de lado e decidem dividir a defesa dos muros da cidade entre si, cabendo aos homens controlados por Emebealazar cuidar de 1,66% de sua extensão (uma parte de sessenta, pois, como mesopotâmios que eram, eles usavam o sistema de numeração sexagesimal).
Porém Emebealazar não cumpre sua tarefa. O trecho desprotegido é pequeno, mas os sagazes assírios percebem o que acontece e concentram o ataque naquele setor, terminando por abrir uma brecha que lhes permite entrar e tomar a cidade.
Nos dias seguintes começam os saques e as violências a que os assírios submetiam os povos que conquistavam. A preferida do general que os comanda, Carvaqueribe, é cortar a língua de quem manifeste qualquer tipo de desagrado.
Os que ainda mantêm a sua intacta perguntam se Emebealazar está feliz com o resultado de sua omissão. Mas ele continua a teimar que não há diferença, pois o governante agora deposto também lhes cobrava impostos e pretendia secretamente cortar suas línguas no futuro, quando obtivesse mais poder.
Emebealazar diz mais. Para ele, agora eles estão melhor do que nunca, pois com a retirada do antigo governante poderão finalmente se unir contra os assírios e instalar um regime digno da verdadeira margem direita.
Dois dias depois os assírios invadem sua casa, levam seus tesouros, violentam suas filhas e escravizam seus filhos. Os vizinhos lhe jogam na cara que ele é o responsável por aquilo. Mas ele ainda se recusa a admitir sua culpa e, tentando se autoconvencer, passa a gritar que tudo ficará perfeito quando eles expulsarem os assírios.
Tanto grita que estes escutam e decidem castigá-lo de modo exemplar, retirando sua pele (enquanto ele ainda está vivo, como lhes era habitual) e pendurando-a na parte da muralha que ele se recusou a defender.
Pedindo licença, o escriba pergunta se o líder dos conquistadores não teme que aquilo tenha um efeito negativo, pois pessoas dispostas a servir de linha auxiliar dos assírios em outras cidades podem mudar de ideia se souberem que terminarão daquele modo.
Carvaqueribe sorri sarcasticamente e diz que é verdade, em todo lugar há um imbecil como Emebealazar. Mas não há nenhum risco de que eles observem os exemplos da história e aprendam alguma lição. Segundo suas próprias palavras:
- O idiota útil, por definição, é idiota demais para saber que é útil e quem o utiliza.
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