domingo, 3 de dezembro de 2023

Monumento ao cinismo

Se um dia fizerem uma estátua para o cinismo nacional, a frase com que o ombudsman da Folha encerra seu artigo de hoje poderia ser gravada na sua base: "É sabido e, para muitos, justificável a excepcionalidade de 2022, com riscos à democracia. Agora é preciso afastar o risco da excepcionalidade, que é transformá-la em regra."

Assim, ao reclamar da mais recente arbitrariedade do STF (punir jornais por alegadas mentiras de seus entrevistados), ele candidamente reconhece que tivemos um festival delas na eleição de 2022 e que as defendia naquele momento, quando prejudicavam apenas os que escolheu como inimigos políticos.

Seu problema não é a "excepcionalidade", não é o descumprimento ostensivo e reiterado das regras que deveriam valer para todos se realmente estivéssemos num regime democrático. Ele só não quer que ela atinja a sua turma. Eles devem continuar a ter todas as garantias e direitos, quem discordar deles não.

É claro que ele tem uma desculpa, eles sempre têm, até os nazistas e stalinistas inventaram as deles. A sua, nada criativa, utilizada em países como Cuba e Coreia do Norte, é que os adversários representavam um perigo para a democracia. Democrático é ele, que defendeu o jogo sujo quando este o favoreceu.

O cinismo é tamanho que, se você pedir alguma prova de risco concreto à democracia, o ombudsman é capaz de mencionar os famosos atos de 8 de janeiro. Aqueles gerados pela reclamação da parte prejudicada pela "excepcionalidade de 2022", que agora ele reconhece que realmente existiu.

Os fiéis se reúnem em círculos para cultuar o ídolo que criaram.

Madalena (talvez) arrependida

Apesar de ter feito videozinho mais tarde com uma desculpa séria (um idiota teria ameaçado seu filho), Madeleine Lacsko se despediu do Twitter com uma justificativa pueril, abalada pelas críticas que recebeu. Mas aí chegou a hora de escrever o artigo para a Gazeta do Povo, hoje publicado, em que ela tentou ser mais ponderada.

Criticou a medida que deixa ao critério de um juiz decidir o que é verdade ou não. E chegou a dizer que ela merece "um levante nacional a favor da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa". Mas lamentou que alguns pareçam mais interessados em criticar jornalistas que talvez tenham errado do que em participar desse movimento.

Nada de schadenfreude, é seu lema. Nada de ficar lembrando que teve jornalista que zombou dos "bolsominions" que reclamavam das arbitrariedades cometidas e de quem as sofreu. Temos que nos unir. Agora que estamos todos do mesmo lado, essas recordações só interessam aos poderosos.

Não é bonitinho? O pessoal é avisado uma, duas, mil vezes. Não mostra o menor interesse em combater o problema e não dá a mínima importância aos avisos de que ainda se tornará alvo das injustiças que comemora. E não quer que lhe joguem isso na cara quando o que estava previsto se concretiza.

Você é quem comemorou o sofrimento dos outros, Madá. Agora quer lutar contra o mal? Ok. Mas você é a recém-chegada, não tem que fazer exigência alguma. Pegue o fuzil, vá pra trincheira e faça o melhor que puder. Quando mostrar que realmente mudou (se mostrar), o pessoal a tratará de outro modo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário