sábado, 16 de dezembro de 2023

Apedeutas

Corrupto se pronuncia com pt; inimputável, para quem tem a língua presa, também. Num comentário republicado aqui ontem, alguém lembrou que, para a maior parte de nossa imprensa o Nine não mente, não agride etc. Ele apenas cita dados equivocados, exagera, faz brincadeiras de gosto duvidoso e assim por diante.

Quando passar esse primeiro pano não resolve, nossos dedicados jornalistas sempre encontram uma alternativa. Desse modo, ao ter que noticiar suas mais recentes menções agressivas ao presidente Jair Bolsonaro, quem escreveu o título da Foice de hoje não se apertou: "Lula ignora promessa de ignorar Bolsonaro."

O jornal não deixa de citar algumas das ofensas proferidas pelo ex-presidiário. Mas elas são tratadas como algo secundário, menor. O que jamais aconteceria se os papéis fossem trocados. Bolsonaro teria direito a foto com cara de doido furioso e um texto indignado. O depravado ignora a promessa de ignorar. E nem foto ganha.

Coitado, é um ignorante, um apedeuta, como dizia Tia Reinalda antes da cirurgia de transição - ou ele não foi operado por alguém? Aliás, só está faltando Titia dizer que utilizava o termo de maneira carinhosa, para expressar sua admiração por aquele que, mesmo sem muita educação formal, se transformou nesse líder maravilhoso.

E assim vai nossa imprensa, tratando seus leitores como apedeutas incapazes de perceber suas predileções. A má notícia é que muitos são mesmo. E a péssima é que todos eles, leitores, são minoria. A maioria está lá fora, não gosta de ler ou, pior, é total ou parcialmente incapaz de fazê-lo. Apedeutas, este é o país deles.

Apedeutas com diploma

E ainda existe, em termos políticos, o apedeuta ilustrado, que ignora que o país não é uma mera extensão do seu condomínio de classe média. Também conhecido como isentão, ele não apoia a grosseria do ex-sindicalista, mas acha que não se deve combatê-la com a que associa a Bolsonaro.

O interessante é que esse pessoal foi quase todo convencido de que a maneira de emplacar seu candidato bonitinho seria derrubar o Bozo, não o Molusco. Talvez porque este está aí há mais tempo, talvez porque ele antes era "combatido" pelos bonitinhos do PSDB, por algum motivo isso lhes pareceu mais fácil.

Os caras se recusam a aceitar que, em parte, ser grosseiro também é ser simples, popular, eleitoralmente viável. Uma boa parcela da população não vai votar num bonitinho se puder escolher um grosseiro. E o seu próprio condomínio está cheio de gente que entende isso e não vai cair no conto do candidato ideal.

O caminho mais lógico sempre foi o inverso. Escolher o candidato que mais se aproxima dos valores que eles dizem defender e, após desestruturar o outro lado com a derrota do seu ídolo, trabalhar sobre a dissenção interna da parte vencedora que iria naturalmente ocorrer. Mas eles continuam a fazer o jogo de quem dizem combater.


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