segunda-feira, 20 de novembro de 2023

É bom ter presidente

Ex-goleiro da base do Chacarita Juniors, ex-membro de banda cover dos Stones, o economista Javier Milei é mais um dos que apavoram boa parte da política e do jornalismo tradicionais por, no fundo, encarnar o ideal democrático de que qualquer cidadão pode se lançar a um cargo e ser escolhido por seus iguais.

Veio, viu e venceu. E, durante esse processo, é claro que passou a fazer parte do sistema. Respeitou suas regras, não destruiu o antigo modelo (nem pretende fazê-lo, como temem os escandalosos), apenas o alargou, ampliou seus antigos limites.

Os mais inteligentes perceberam isso. Seus eleitores não saíram do nada, eram basicamente aqueles que já votavam contra a esquerda. Os que antes exerciam com exclusividade esse papel - representados pela candidata Bullrich, que ficou em terceiro lugar, e pelo ex-presidente Macri - entenderam o recado, tiveram humildade para respeitar o sentido em que se moveu o eleitorado e não se omitiram, passando a apoiar o libertário.

Também são vencedores. E devem ter seu quinhão de influência no novo governo, até porque elegeram uma bancada considerável. Milei elegeu muita gente, mas, no quesito transferência de prestígio, ficou bem abaixo do fenômeno Bolsonaro. Ele precisará negociar. Mas todos precisam, será um governo interessante.

Vítimas da pandemia

Um, presidente, protegeu sua população, prendendo todo mundo em casa com salário assegurado. Era um exemplo, diziam. O outro, governador, se tornou "presidente em exercício" ao vencer a "guerra da vacina". Terminaram seus mandatos precisando se esconder, sem a mínima condição de tentar uma reeleição.

Os fatores da ordem

Até o relógio quebrado... Foi Mário Vitor Santos, ex-ombudsman da Foice e atual esgoteiro, quem deu o alerta quando eles comemoravam o desastre que teria sido a participação de Milei no último debate com Massa. Inseguro, balbuciante, ele pouco lembrava o contendente agressivo de outras ocasiões.

Cuidado que isso pode ter sido proposital, alertou Mario. A grande maioria já havia definido seu candidato, restava convencer os indecisos. E o que mais incomodava a estes em Milei era a agressividade, parente próxima da arrogância. Ao se mostrar cordeirinho, o leão teria mais a ganhar que a perder.

Lembrei da faxineira quase indo às lágrimas ao ver o Molusco, com cara de coitadinho, dizer na TV que havia sido enganado e "não sabia" do Mensalão. Ele, simples como ela, tinha sido enredado nas artimanhas dos poderosos entre os quais de boa-fé se enfiara. Milei teria utilizado artifício semelhante?

Pouco antes da eleição, li por acaso um artigo em que um jornalista argentino falava de uma senhora, antenada com o mundo, mas pessoa do povo, amiga de sua mãe, que conhecia desde a infância e com quem mantinha frequente contato via zap.

No começo, ela estava furiosa com o apoio de Macri a Milei. Detestava os peronistas, mas talvez ainda mais a violenta prepotência dos que dominaram o país durante a ditadura militar. E, tendo associado Milei a estes, prometia não votar em ninguém.

Na continuação, seu posicionamento balançou um pouco em função do próprio Macri - olha a importância do cara não ser um covarde isentão! Mas o verdadeiro abalo surgiu após o debate, quando ela escreveu que, no fim das contas, aquele Milei era meio desajeitado, enrolado, simplório.

Inofensivo, seria o termo que ela não usou, mas havia sido instalado em sua mente. A senhora nunca mudou o discurso, mas o jornalista terminou dizendo ter quase certeza de que, no escurinho da urna, seu voto seria do cabeludo.

Assim, a Miriam Leitão pode ter razão ao ter dito, ontem, que Massa foi tão vitorioso no debate que perdeu a eleição por causa dele. Se o relógio quebrado acerta duas vezes por dia, há dias em que a ordem dos fatores não altera o produto e dois relógios quebrados podem acertar uma vez.

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