Entre as "figuras" que eu conheci na vida, mesmo por pouco tempo, uma foi o Severino. Sujeito grandão, encorpado, que ficava na dele, observando sem falar. E quando o fazia era com uma voz fininha que se tornava divertida pelo contraste, apesar dele nunca rir ou tentar fazer piada. Muito pelo contrário.
Veio do Nordeste para o Rio e ficou andando pela cidade com sua "malinha de táubua", sem rumo e sem dinheiro. Um português o deixou de vigia noturno do armazém. Ainda sem receber, esperava o cachorro brabo comer e comia o resto. Uma noite o assaltaram e o deixaram para morrer. "Mas aquilo foi a minha sorte", pois nos meses de hospital conseguiu se alimentar e se recuperar. Já em São Paulo morava na pensão onde dormia "com um olho fechado e outro aberto", com o facão debaixo do travesseiro.
Pois um dia tinha uma turma esperando a luta do Tyson na TV e apareceu a Rogéria, a trans da época. Alguns passaram a comentar o que ela dizia, uma moça elogiou sua aparência, essas coisas. O Severino, como sempre, só observava. No entanto, quando todos ficaram quietos, ele soltou a voz fininha e pausada:
- O homem, quando perde a vergonha na cara, é coisa bem triste.
Pois eu me lembrei do Severino ao dar uma lida, agora há pouco, na coluna de Tia Reinalda, a transpolítica de nosso tempo, a seu modo pior, muito pior, que o sempre respeitoso Astolfo Pinto. Titia nem sabe bem o que aconteceu em Roma (ninguém sabe), mas quer porque quer enquadrar o casal "bolsonarista" no artigo do CP que diz:
Tentar, com o emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício de poderes constitucionais.
E o pior é a explicação. Titia se apega ao "tentar", como se ninguém soubesse o que a palavra significa ou a confundisse com "conseguir". E daí passa a discutir o gerúndio de "impedir ou restringir, como se, outra vez, alguém dependesse do tempo verbal para entender a mensagem.
Pronto, é o que lhe basta. Nem lhe passa pela cabeça demonstrar como a discussão no aeroporto pode abolir o Estado democrático de Direito ou o (cada vez mais provável) safanão no braço do moleque desbocado afeta o exercício de poderes constitucionais do pai que não o ensinou a respeitar as senhoras.
A coisa é tão absurda que, mesmo entre os mais abjetos lambe-botas do petismo, poucos ainda defendem a reação desproporcional ou o comentário do presidente que a defendeu sob o argumento de que os judeus bolsonaristas são animais a extirpar. Fora dos blogs acho que só o Kocho, que vive de ser petista há uns 30 anos.
Titia só tem certa razão ao comparar a "agressão" de Roma ao "golpe" de 8 de janeiro, quando idosos desarmados entraram em um prédio aberto pelo GSI petista. Quem defende que aquilo ameaçou a democracia teria que repetir a dose agora.
A maioria dos coleguinhas defendeu lá, mas não defende cá. E acredito que nem percebem a incoerência. Titia percebeu, sinalizando que não perdeu a capacidade de raciocinar. Só não a leva mais adiante porque não lhe interessa, se faz de tonto e lança análises incompletas e imbecis porque quer, por interesse.
O que ela perdeu foi a vergonha na cara.
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