Recordar é viver. Fui procurar números do Brasil e caí por acaso numa reportagem do IG de 2 de junho de 2022, um ano atrás. Nela, na reta final, a quatro meses da eleição, citava-se a mais recente picaretagem pesquisa Datafolha, segundo a qual o recém saído do presídio venceria Bolsonaro por nada menos que 58 a 33.
Como alguém pode errar tanto assim? Não pode, principalmente quando se apresenta como profissional e qualquer amador sabe que a realidade é outra. E sabe também que, pelo menos no Brasil, existe um eleitor que gosta de votar no vencedor para depois dizer que também venceu.
Já era possível encontrá-la apenas entre os analfabetos ou entre os criminosos. Mas é possível que a diferença final entre as duas votações também possa ser estabelecida apenas entre quem não é nenhuma coisa nem outra e votou "para ganhar", naquele que Idecs e Datafolhas juravam que teria quase dois terços dos votos válidos.
Fica como lembrança do que a turminha das pesquisas deturpadas fez no verão passado. E como subsídio para imaginar como deve estar realmente a popularidade do "líder popular" que precisa andar com claque porque não consegue participar de um evento sem tomar uma sonora vaia do povo de verdade.
Mas eu estava procurando esses dados para comparar, ainda que por alto, o eleitorado de Trump com o de Bolsonaro. E existem semelhanças como a alta votação entre evangélicos e diferenças como o apoio dos agricultores, próximo do integral no caso do brasileiro e apenas majoritário no do americano.
Já em termos de renda e instrução, dizem os analistas (geralmente de esquerda) que o eleitorado de Trump se concentra nas camadas mais baixas da população, inimigas do politicamente correto e repletas de brancos rancorosos por se verem excluídos do tal sonho americano pela elite financeira e política.
Por aqui, analistas de mesmo viés copiaram a história do rancor de quem está por baixo, mas tiveram que inventar uma teoria segundo o qual o por baixo do por baixo deixa de ser rancoroso e vota amorosamente no sindicalista pilantra, pois seu eleitorado se concentra entre os verdadeiramente pobres e incultos.
O ponto é que os dois candidatos conseguiram dar voz a um setor da população que se percebe explorado por essa elite e pela pequena nobreza improdutiva (e normalmente tacanha no caso brasileiro) que a serve, vivendo das sobras dos banquetes de seus amos nas universidades e jornais.
A diferença, em relação ao de Trump, é que o eleitorado de Bolsonaro está mais ligado ao setor produtivo e à melhor formação (o que em geral resulta em melhor informação e mais convicção). Em outras palavras, ele tende a ter consciência de sua importância e ser fiel. Não exatamente ao candidato, mas ao que este acabou por encarnar.
Ainda haveria muito a considerar, mas, em suma, eu diria que nenhum dos movimentos vai terminar tão cedo e o brasileiro tende a se fortalecer mais que o americano. Como a nossa elite também é mais cínica e não se importa de cometer injustiças a céu aberto para manter o status quo, pode haver um futuro movimentado à nossa frente.
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