domingo, 14 de maio de 2023

Cadê a diversidade?

Puxa vida, nem a Natura. Pensei que pelo menos eles, defensores da lacração como são, sugeririam que o filho adotivo - o importante é quem cria - desse um creme de barbear para a sua adorável mãe trans. Mas não, nem a Natura. As propagandas de Dia das Mães deste ano estão uma caretice só.

Pode olhar por aí, tem mãe mais embonecada e mais despojada, mais caseira (a maioria) ou nem tanto. Porém todas numa versão moderna do modelo tradicional, bonitas, de banho tomado, bem penteadas e maquiadas, sorridentes, algumas até emocionadas, felizes com seus amados pimpolhos.

E os cenários, então? Nos que passam por reais é só casinha de boneca, salas ou cozinhas arrumadinhas e bem iluminadas. Nos estilizados, os estereotipados corações por toda parte. E quase tudo num insuportável e damarístico tom róseo. Meninos usam azul e meninas usam rosa, confere produção?

Confere, até porque na maioria das propagandas de hoje as mães não têm o "casal de filhos" que era comum no passado, mas só filhas. É como se os publicitários quisessem excluir até a possibilidade de uma futura maternidade trans, afogando-a numa insuportável opressão do sexo biológico.

Cadê a diversidade? Cadê a mãe cis adotiva, a mãe quilombola, a mãe operária que chega no barraco depois de passar duas horas sendo encoxada no ônibus lotado? E, principalmente, cadê a sofrida mãe trans, que, além de realizar todas as tarefas da cis, ainda precisa enfrentar o preconceito da sociedade?

Custava muito pedir que o filho a presenteasse com um lenço ou cachecol para esconder o gogó? Lhe desse um perfume que disfarçasse o cheiro de macho? Pensei que pelo menos uma minoria de empresas homenagearia essas heroínas da modernidade. Mas não, nenhuma teve a ousadia. Nem a Natura.

Só a Foice para nos salvar. A página do jornal já abre com a história de uma mãe negra e sofrida que... não precisa continuar, todos já sabem. Logo abaixo, uma "especialista" pergunta por que só a mãe deve ter a sobrecarga de cuidar dos filhos. Ao lado, os títulos das matérias dizem tudo.

"Brasil é um país com milhões de mães solo e mães solidão", diz uma. "Como surgiu o Dia das Mães e por que sua criadora foi presa", diz outra. "Por que não devemos romantizar a maternidade?", pergunta em tom de quem vai nos ensinar a resposta a terceira. E a quarta é mais fofinha, mas dedicada às "mães" de pets.

E a mãe trans? Quem chegou mais perto de homenageá-la foi o UOL, que dedicou uma matéria às famosas que tiveram coragem de mostrar a "maternidade real" e outra a uma tal Fabi Alvim, que, "lésbica", fala sobre a filha que cria com a companheira e diz que ninguém vai intimidá-las.

Pelo menos a palavra "mãe" foi bem usada hoje por lá. Mas acho que, se contar direito, ela ainda perde para "Bolsonaro".

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