sábado, 1 de abril de 2023

Brasil, 2035

E se com ele fosse diferente? Os amigos que lhe indicaram o local garantiram que a segurança era total, pois quem atrapalhasse os negócios assaltando um cliente seria eliminado pelo comando local. Porém, conforme subia pelas ruas estreitas, o medo começava a dominá-lo.

Seu carro era um dos mais caros do mercado, chamava a atenção. Se algo ruim lhe acontecesse, de que lhe serviria saber que o criminoso acabaria sendo castigado? Não seria melhor ter gastado cinco vezes mais e resolvido tudo como sempre, na esquina de casa?

- Aí chefia, pode chegar - a voz do magrelo de óculos escuros e camiseta larga o tirou de seu devaneio -, estaciona ali no fim da fila.

Ele obedeceu, saiu do carro e achou que devia dizer alguma coisa:

- Será que vai demorar?

- O de sempre, no máximo uma hora.

- E eu espero aqui ou...?

- Primeira vez, né chefia? Mas fica à vontade, pode relaxar, geralmente o pessoal dá um tempo na adega ali da esquina, toma umas, ouve um sonzinho... tudo no nosso controle, tudo na paz.

Ele seguiu a sugestão e logo percebeu que era verdade, o local parecia realmente tranquilo, cheio de pessoas que, obviamente, eram clientes como ele. Reconheceu até um vizinho que só cumprimentava no elevador. Trocou olhares cúmplices com o cara. Pediu uma primeira cerveja.

Começou a discutir futebol com a turma ao lado. Apareceram umas meninas da comunidade, de shortinho apertado, dando mole pros bacanas. Ele pediu outra cerveja, começou a batucar o sambinha na mesa, pegou o telefone da de top verde, pediu mais uma... Quando o magrelo chegou, nem tinha visto o tempo passar:

- Tá na mão, chefia, missão cumprida.

Eles foram até o carro, ele conferiu tudo e pagou o preço combinado. Já estava saindo quando lembrou que era sexta-feira, dia de badalar. Chamou o magrelo de volta:

- Ô, gente boa, diz uma coisa, tu por acaso não teria um pozinho aí à mão?

- Pó? Farinha? Coca?

- É.

- Pô, chefia, ninguém mais mexe com isso não. Olha a trabalheira que dava, o investimento, ter que transportar e guardar, trocar tiro com a galera rival, fugir da polícia ou se acertar com ela... era muita mão de obra. Agora os caras traz o produto de graça pra nós. Desde que o governo obrigou todo mundo a ter carro elétrico o negócio é fazer gato no poste e vender a energia mais barato.

- Verdade, não tinha pensado por esse lado empresarial.

- Quem lida com tóxico é só o pessoal mais tradicionalista da parte alta. Se o chefia quiser mesmo...

Mas ele decidiu deixar para lá. Isso ainda era melhor pegar na esquina de casa.


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