Monteiro Lobato tempos atrás, Agatha Christie esses dias... por todos os lados avançam as "adaptações" de livros antigos aos critérios de seus atuais editores. Um tipo de mudança que costumava ser associada a governo ditatoriais, mas no Brasil começou justamente com a tal redemocratização.
Na escola ou fora dela, foi na época da censura do governo militar - aquela tão terrível que permitia que você comprasse livros de Marx e Engels na livraria - que eu fiquei sabendo que o tubo no qual o carteiro colocava a correspondência se chamava boceta e o nosso Sherlock Holmes era chegado numa cocaína.
Termos e hábitos do século 19. Minhas coleguinhas do século 20 não ficaram escandalizadas com o Machado de Assis e eu não me tornei um viciado. Pelo contrário, o que sobrou de coisas assim foi a satisfação de ter exemplos reais de como a linguagem e os costumes vão se alterando com o tempo.
Anos depois, no entanto, eu descobri que estavam lançando uma versão "atualizada" do Machado. Não fiquei sabendo onde o carteiro passou a enfiar seu material, mas "botica" virava "farmácia" porque os pobres estudantes do século 21 não sabiam mais o que significava a primeira.
Pô, mas não dá para o cara pensar um mínimo e entender pelo contexto? Não seria legal ele perceber de onde pode ter saído o nome de uma empresa como O Boticário? Não dava, o projeto tinha dinheiro público e era o início do desgoverno petista, com seu "nóis pega os pêxe" e o restante da imbecilização paulofreireana.
Porém não foi só culpa do partido-quadrilha, com o Sherlock aconteceu antes. O Signo dos Quatro começava com ele preparando sua dose injetável e terminava quando, após o Watson anunciar que iria casar e sugerir que o amigo fizesse o mesmo, o detetive respondia algo como: "Quanto a mim, fico com a minha cocaína."
Pois na época do Sarney eu peguei uma nova edição do livro e... cadê a cocaína? Havia desaparecido. Holmes a havia trocado pelo violino e nem me lembro como eles resolveram a questão da observação inicial, feita pelo doutor Watson, de que aquele hábito acabaria por prejudicar sua saúde.
Imagine se eles esquecem disso e escrevem que tocar violino faz mal, ninguém entenderia nada. No final foi mais fácil, "quanto a mim, fico com meu violino" combina com o início e faz sentido por si só.
Mas é assim mesmo, se você aceita a primeira "atualização" não tem motivo para não aceitar a segunda e, quando for ver, estará retirando o elogio da Agatha Christie à brancura dos dentes de um personagem para não lhe chamarem de racista. No embalo atual, daqui a pouco não restará um livro com o espírito original do autor.
Quer dizer, tem uma exceção. Lolita resistiu a décadas de ataques caretas e, agora que a pedofilia está prestes a se tornar aceitável, tem tudo para ressurgir gloriosamente a qualquer instante. O máximo que eles podem exigir é uma nota do editor esclarecendo que a safadinha é uma menina cis, mas poderia ser trans.
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