Escrito por Martim Vasques da Cunha, autor de Um Democrata de Direito, o artigo publicado na Gazeta do Povo trata da nefasta parceria entre STF e PT e pode ser lido por inteiro AQUI. Abaixo, copiamos apenas a sua parte final.
Totalitarismo Cultural
O prestígio recente do Supremo Tribunal Federal se origina desses dois mitos fundadores — uma Carta Magna que faz a “ponte de ouro” entre a velha ordem autoritária e a nova ordem democrática (mesmo que o ouro tenha um pouco de prata em sua liga), além do perdão jurídico ilimitado que, na prática, impede uma onda de ódio e fúria sempre alimentada pelas organizações de esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores (PT). Aí surge a pergunta: como o STF permitiu se unir com uma associação política de clara intenção maliciosa? É aqui que precisamos fazer a distinção conceitual entre o que significa autoritarismo e o que é totalitarismo. O primeiro termo significa apenas a característica de uma entidade (governo, instituição) que usa da sua autoridade instituída para impor alguma ordem em uma situação que está fora (ou pode sair) do controle. Para isso, decide utilizar certa violência, que pode ser física, psicológica e, frequentemente, jurídica, por meio de leis excepcionais que visam conferir legalidade a um evento que rompe com aquilo que conhecemos como o Estado de Direito — isto é, o devido processo da lei, em que a hierarquia da sociedade deve ser preservada para que continue a igualdade entre os cidadãos perante o âmbito da justiça. É claro que, muitas vezes, quem abusa da sua autoridade pode descambar para o totalitarismo, mas o inverso não é verdadeiro; afinal, quem começa com intenções totalitárias, jamais quer estabelecer qualquer ordem legal, pois, como a própria palavra diz, sua ambição é ter a totalidade do processo político e social, concentrando-o num grupo específico de sujeitos que acreditam piamente que estão fazendo o Bem e, por isso, são detentores de uma visão muito peculiar do que seria a natureza humana a ser imposta por todos os meios. Ora, o Partido dos Trabalhadores preenche exatamente todas as características listadas acima. Nesta perspectiva, o abraço entre o STF, com sua propensão para defender um estado autoritário (mesmo com aparência democrática), e o PT, cuja ideologia assassina está em seu germe desde a fundação, é a consequência de um novo monstro, chamado totalitarismo cultural.
Ele não é um governo ditatorial, mas trata-se de algo muito pior; é uma forma muito precisa, quase mecânica, de querer alterar o que reconhecemos como o ser humano, modificando o que sempre soubemos por meio de relatos históricos e literários, em um discurso aparentemente político que resolveria todos os nossos problemas.
E aqui começam as contradições desta engrenagem: para dominarem este mesmo discurso, os sujeitos que vivem esta atitude precisam também dominar a nossa imaginação, ou pelo menos os fatos exteriores que são filtrados por ela e depois reproduzidos pela língua e pela linguagem. É neste paradoxo do imaginário que o totalitarismo cultural tenta impregnar-se nos mais variados estratos da sociedade — e do qual também se alimenta. Apesar de parecer um sistema fechado, na verdade ele também tem uma ideologia extremamente flexível, que permeia não só as nuances sociais como também as nuances mais íntimas do ser, a ponto de responder às incertezas e às angústias da existência. Repleta de falhas e lacunas que jamais conseguiremos responder a nós mesmos e a quem amamos, constituindo assim uma espécie de “religião secularizada”, esta ideologia, graças a seu charme hipnótico, faz o indivíduo amortalhar a sua própria consciência em um manto que lhe dão quando se confronta com um mundo onde só o coletivismo tem vez. A atitude destes “fanáticos” — mesmo que eles desconheçam que o são, como é o caso dos magistrados da nossa Corte — será como um imperativo categórico. Bloquearão qualquer manifestação de cultura que vá contra a ordem geral, prejudicando a informação e a transmissão de conhecimento próprias de qualquer interação intelectual e chegam ao ponto extremo de que, ainda descontentes com o fato de que impõem o “cone do silêncio” sobre uma obra ou uma denúncia que ajudaria os rumos do país, também fazem o possível e o impossível para prejudicar até mesmo a sobrevivência financeira de quem decide opor-se a este status quo. Esta é a nova psicologia do brasileiro dos nossos dias — e o Supremo Tribunal Federal, justamente por ser a elite das elites, não seria uma exceção neste tipo de comportamento. Essa elite acredita, com a devoção peculiar de quem acabou de receber uma iluminação celestial, que, finalmente, como observou Václav Havel, “o centro do poder é igual ao centro da verdade”. Logo, se detém o poder, de alguma forma também deterá o que é a verdade, aquela palavrinha que Pôncio Pilatos não soube responder a si mesmo. O que é uma ironia, pois tal mentalidade impede, por exemplo, que exista qualquer chance na própria alternância de poder político, em especial do sujeito que acredita ter alguma espécie de verdade, já que, no discurso ideológico impregnado de automatismos verbais, a mudança que haveria entre uma suposta esquerda moderada (que nunca existiu) e uma direita equilibrada (que se autodestruiu) jamais acontecerá. Portanto, o STF e o PT se alimentam da mesma raiz perversa a qual, por sua vez, é uma característica própria dos nossos tempos modernos: o desejo ilimitado de poder (ou, como Blaise Pascal gostava de chamar, a libido dominandi). E este mesmo desejo provoca uma dose alucinante de amnésia coletiva. A prova disso é a incoerência atual que o próprio Supremo vive, ao ir contra as suas decisões já estabelecidas e que formam o seu prestígio moral na sociedade civil — no caso, a revogação da Lei de Imprensa e a continuidade da Anistia de 1979 —, para conter, sob quaisquer meios, a revolta bolsonarista que põe constantemente em dúvida a nova ordem democrática formada pela Constituição de 1988. Nas palavras desses magistrados, a liberdade irrestrita da profissão jornalística, defendida há menos de vinte anos, deve ser vista a partir de agora, em função das “novas circunstâncias históricas” (leia-se: uma pandemia devastadora), como um obstáculo para a “saúde da democracia” — e o questionamento sobre a validade da Anistia deve ser retomado porque, afinal de contas, a aliança entre Jair Bolsonaro e os militares seria uma continuação da impunidade que existe desde o golpe de 1964 (na visão da esquerda). Para o STF dos nossos dias, infelizmente, não há preocupação alguma com o Bem Comum do povo brasileiro, com a justiça como forma de prudência na hora de escolher corretamente uma ação harmoniosa ou com o entendimento do seu próprio passado. Há apenas o desejo pelo controle, de manter um mundo que já está em ruínas.
E, graças a esta amnésia voluntária, a liberdade fica destruída e a ordem pública é um simulacro do que seria a virtude. Na crença de que são os alquimistas do futuro, a Corte brasileira mal consegue compreender que a única pedra filosofal que produziu foi a da barbárie indiscriminada, mas cheia de boas intenções, como qualquer caminho que leva um país ao inferno.
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