A família acusada de heresia obrigada a viver isolada, a colheita fracassada, a floresta ameaçadora ao lado, o bebê raptado e sacrificado pela bruxa, o bode preto que as crianças pequenas dizem que fala, o filho mais velho morto, as suspeitas de que a filha adolescente está servindo ao mal.
Tudo isso, com a loirinha Anya Taylor-Joy (então com 19) e dois bons atores no papel de seus pais, faz parte de A Bruxa (The Witch), cujo roteiro foi construído a partir de frases retiradas de processos de bruxaria dos séculos 16/17 e consegue transmitir o clima que devia dominar quem compartilhava das crenças comuns naquela época.
Ainda bem que esse tempo passou. Nós, modernos, chegamos a rir daquelas pessoas tão supersticiosas. Podemos até explicar que aquele ódio contra certas mulheres tinha - alô Dr. Freud - um fundo sexual, coisas de homens como os padres que deviam ser castos e de mulheres igualmente reprimidas por uma sociedade arcaica.
Vemos isso num dos diálogos recuperados pelo filme, no qual, já meio enlouquecida pela perda dos dois filhos, a fanática mãe de Thomasin (Anya) diz que estava percebendo como a menina cujos encantos estão explodindo se comportava como uma meretriz e procurava seduzir o pai e o irmão.
E quantas mulheres não foram acusadas de bruxaria por uma familiar ou vizinha que apenas invejava a sexualidade que lhe faltava? Muitas, em vários países. Recentemente, para dar um exemplo, a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon pediu desculpas pelas execuções de bruxas ocorridas no país entre os séculos 16 e 18.
Moderna como é, Nicola não parou por aí e também tentou passar um projeto para dar mais direitos aos transsexuais. Mas houve oposição, de pessoas comuns e de outras já conhecidas por suas posições sobre o assunto - uma delas a escritora J.K. Rowling, que entende de bruxaria porque criou o Harry Potter. E o projeto foi recusado.
Foi o que bastou para explodirem os protestos, principalmente de "mulheres trans" e principalmente contra mulheres como Rowling, que não querem ser confundidas com "elas" e que os politicamente corretos chamam de TERF - Radical Feminista Trans-Excludente, em português.
"Morte às TERFs", "Comam as TERFs" (no sentido gastronômico do termo), foram frases comuns nos cartazes levados às ruas. Mas sabe como as trans mais chamam as mulheres que não querem dividir o banheiro com quem já vem com um pequeno cabo de vassoura instalado de fábrica entre as pernas?
"Bruxas, bruxas, bruxas!"
Pois é, doutor, o subconsciente trai. As tais mulheres trans talvez pensem que adotaram o xingamento de graça, mas o verdadeiro problema é que, como a mãe de Thomasin ao perceber o efeito que a filha causa, atribuem a atração dos homens pelas sem cabo de vassoura a algum tipo de feitiçaria destinada a excluí-las da festa.
O que tem sua lógica, devemos admitir, pois, se basta "se sentir" mulher para ser mulher (como defendem os politicamente corretos), a explicação para os caras desejarem algumas e preterirem as outras só pode ser meio sobrenatural.
Bruxas, morte às bruxas... Por ironia das ironias, gente como a Nicola estimula uma nova versão do mal que julga ter ficado no passado. Daqui a quatrocentos anos as pessoas poderão rir das "mulheres trans" e outras imbecilidades de nossa época. Mas, do jeito que a coisa piora, é melhor nem pensar nas que elas cometerão.
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