Esse ideal republicano, de um Estado em que todos pudessem competir desde o colégio para a primeira dignidade, passava a ser a meus olhos uma utopia sem atrativo, o paraíso dos ambiciosos, espécie de hospício em que só se conhecesse a loucura das grandezas.
As palavras são de Joaquim Nabuco (1849-1910), político, diplomata, advogado e historiador, fundador da Academia Brasileira de Letras, ferrenho abolicionista, não menos ardoroso crítico da república e defensor do regime por ela deposto:
A monarquia constitucional ficava sendo para mim a mais elevada das formas de governo: a ausência de unidade, de permanência, de continuidade no governo, que é a superioridade para muitos da forma republicana, convertia-se em sinal de inferioridade.
Aos que argumentavam que não caberia uma monarquia nas Américas, Nabuco respondia enumerando os benefícios que a instituição teria trazido ao Brasil:
(...) Descobrimento, conquista, povoamento, cristianização, edificação, plantio, organização, defesa do litoral, expulsão do estrangeiro, unificação e conservação do todo territorial; administração, estabilidade, ordem perfeita no Interior; Independência, unidade política, sistema parlamentar, sentimento da liberdade, altivez do caráter brasileiro, inviolabilidade da imprensa, força das oposições, direito das minorias; tirocínio, aptidão, moralidade administrativa; vocação política desinteressada; crédito, reputação, prestígio exterior; brandura e suavidade de costumes públicos, igualdade civil das raças, extinção pacífica da escravidão; glória militar, renúncia do direito de conquista, arbitramento internacional; cultura literária e científica a mais forte da América Latina; por último, — como o ideal realizado da democracia antiga, o governo do melhor homem — um reinado Pericleiano de meio século. O texto foi muito longo? A turma hoje só quer ler tuíte? Em parte, o fenômeno é mundial (ou ocidental). Porém há nele um acréscimo tipicamente brazuca, que seria acentuado no sistema republicano e Nabuco já detectava em seu tempo:
Já antes dos quarenta anos, o Brasileiro começa a inclinar a sua opinião diante das dos jovens de quinze a vinte e cinco. A abdicação dos pais nos filhos, da idade madura na adolescência, é um fenômeno exclusivamente nosso (…) O resultado é uma prematuridade abortiva em todo o campo da inteligência, pelo que o talento nacional, que é incontestável, pronto, brilhante e imaginoso, está condenado a produzir obras sem fundo, e, portanto, também sem forma (...)
Nosso Nostradamus só cometeu o erro de ser muito específico e não deixar sua centúria aberta a especulações, mas outra de suas certeiras previsões foi a de que algum brasileiro contestaria o velho e universal sistema de contar cédulas para verificar quem venceu uma eleição:
Eu receio muito o dia em que tivermos um cardeal nosso. O representante no Sacro Colégio da nossa impulsiva mentalidade, se o Conclave não ceder às suas vistas superiores, ameaçará vir para a imprensa contar as irregularidades da apuração das cédulas, perturbando a eleição que há dois mil anos se faz tranquilamente do sucessor de S. Pedro.
É verdade que Nabuco não imaginou que brasileiros chegariam a defender um modelo de votação que não pode ser auditado e só encontra paralelo no folclórico Butão. Mas substitua cardeais e papas pela cúpula de um certo poder e comprove que até a pretensão à infalibilidade ele conseguiu antever:
Se por acaso um nosso patrício recebesse um dia a tiara, então, sem blasfêmia, nem o Espírito Santo conseguiria contê-lo na reforma geral da Igreja. Certamente com papas brasileiros a infalibilidade não teria levado tantos séculos para ser proclamada dogma (…)
Imagine se Nabuco, que morreu como embaixador brasileiro nos Estados Unidos, voltasse a esse mundo em Nova York e desse de cara com aquela patética excursão de compatriotas vaidosos e arrogantes que, para manter a analogia, foram à igreja para ensinar ao vigário o padre-nosso das liberdades democráticas.
Imagine se lhe contassem que, apesar de constituírem a cúpula de nosso Judiciário, eles não respeitaram as leis, estabeleceram uma censura que nosso monarca jamais pensou em implantar, trabalharam ativamente por um candidato à presidência e nem se preocuparam em disfarçar sua parcialidade.
Ele se assustaria com o nível atingido por nossa degradação, mas certamente perguntaria quem é esse candidato e que qualidades deve ter para merecer tal distinção. Imagine quando soubesse que se trata de um condenado por corrupção que foi praticamente retirado da cadeia para assumir a direção do país.
Eis aí, pensaria Nabuco, o que nos deu o "ideal republicano", aquela "espécie de hospício em que só se conhecesse a loucura das grandezas". Aproveita que é 15 de novembro e faz o R.
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