sábado, 1 de outubro de 2022

O que minha experiência como bandido me ensinou

Minha fama de bandido atingiu pouca gente e não durou mais que duas semanas, mas envolveu algumas coincidências extraordinárias e uma situação que pouquíssimas pessoas devem ter experimentado.

Em nenhum lugar é como no Rio, mas em outras capitais também existem bairros de classe média grudados em morros nem tanto, com tudo que isso implica. E foi nessas redondezas, perto de casa, praticamente no mesmo ponto da mesma rua e no mesmo horário, que, num espaço de poucos dias, duas pessoas da "comunidade" me cumprimentaram chamando-me pelo nome de um de seus membros.

Não um qualquer. Pelo tom respeitoso e outros sinais, dava para adivinhar que quem eles imaginavam estar saudando não era exatamente um exemplo de bom rapaz. O que eu confirmei tempos depois, com alguém que conhecia a bocada e disse que não entendia como podiam ter me confundido com a figura.

Mas confundiram e eu estava com essas coincidências guardadas em algum canto da mente quando, uma semana mais tarde, em outro bairro, à noite, encontrei um amigo que não via há anos em frente a um bar recuado que, embora próximo de uma avenida mais boêmia, era o único daquele quarteirão mal iluminado.

Enquanto conversávamos na calçada, chegou um fusca com quatro jovens afrodescendentes que ficaram olhando lá para dentro. Deviam estar procurando um lugar para se divertir, normal. Eles avançaram um pouco. Estacionaram. Voltaram a olhar (e até me pareceu que para nós porque eles já não podiam ver o bar em si, mas devia ser impressão). Desceram do carro. Vieram caminhando. E mostraram as armas:

- Entra aí - disse o chefe, balançando o revólver em direção ao fusca.

De repente, tudo fez sentido. Não era impressão, eles estavam olhando pra mim. Deviam ter me confundido com o malandro da vizinhança, que devia ter aprontado alguma com eles. Me imaginei de madrugada, no campinho de futebol perto dos casebres, tentando dizer que não tinha ficado com os cinco quilos ou algo do tipo. Não daria certo.

Decidi que não entraria no carro de jeito nenhum. Se eles acabassem por atirar que fosse ali, onde o barulho chamaria a atenção dos moradores dos prédios próximos, a polícia andava por perto etc. A explicação não podia ser deixada para depois:

- Para aí, está havendo uma confusão...

- Entra duma vez, cara - disse um dos outros, todos nervosos, agitados.

Essa tentativa de diálogo se repetiu umas duas ou três vezes, numa tensão cada vez maior. Mas então, por acaso ou porque entendeu o problema, o chefe disse:

- Entra no bar pra gente assaltar logo essa merda, pô!

Nossa! Que alívio! Era só um assalto. Eles ficaram nos olhando porque não podiam entrar e nos deixar na frente. E o outro só balançou a arma para mostrá-la, não para apontar para o carro. Eu soltei um "tudo bem", parti para o bar feliz da vida e me encostei na primeira parede com o meu camarada.

Três deles saíram correndo as mesas e o chefe ficou na nossa frente, fazendo as ameaças de praxe. Sem ter certeza de que elas nos envolviam, nós achamos melhor não abusar da sorte. Juntamos o que tínhamos nos bolsos e o meu amigo só faltou bater no ombro do ladrão para lhe entregar o valor.

Só que é como foi dito no início, eu estava com fama de bandido. Pela discussão anterior, o sujeito deve ter achado que eu estava acostumado a encarar certas broncas típicas do ramo. E, com a fidalguia que deve vigorar entre colegas, respondeu:

- Não, o dinheiro de vocês nós não queremos.

Aí sim, foi sensacional. Como em todo assalto, havia os assaltantes e os assaltados. E como em nenhum outro assalto, havia dois terceiros que não faziam parte desses grupos. O garçom correu para a cozinha, um deles foi atrás e desistiu. O outro tentou arrancar a aliança da gorda do caixa e ela resistiu. Clientes assustados, ladrões ansiosos. E nós ali no meio, de boa, só assistindo.

Em instantes, tudo terminou. E o dinheiro que eles não levaram virou cerveja para comemorar em outro lugar.

Moral da história

Tem mais de uma. A primeira é que, mesmo quando você está lidando com bandidos, tudo pode acabar bem. Como esperamos que aconteça muito brevemente.

A segunda, que no caso acima relatado foi apenas hipotética, é que pode não acabar bem. E aí não adianta mostrar que você tem razão tarde demais. Se for para os bandidos atirarem, que seja enquanto ainda não estão dominando totalmente a situação. Se nossos receios se materializarem (toc, toc, toc) será preciso agir logo. Que ninguém tenha a péssima ideia de deixar para discutir no campinho à meia-noite.

Epílogo

Fiquei sabendo pelo jornal do dia seguinte. Os caras não eram muito inteligentes. Ficaram assaltando bares lotados numa região relativamente pequena. A Brigada (PM) mandou uma viatura e eles a driblaram umas duas vezes, o que, naquele tempo, equivalia a provocar os orcs do Senhor dos Anéis. Chamando reforços, os brigadianos os encurralaram e fuzilaram os quatro.

Terceira lição: é meio chato dizer, mas é justamente para resolver esses problemas que a sociedade mantém homens fardados e armados.


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