domingo, 11 de setembro de 2022

Em nome do rei

Como os Washingtons Josés Alexandres estão aí para provar, dar vários nomes a um filho não é privilégio de ninguém. Mas poucos superam a realeza ocidental, que se utiliza desse artifício para que o herdeiro tenha várias opções para escolher o nome com que passará à história ao assumir o trono.

Assim, o nosso Charles Philip Arthur George poderia tanto se tornar um comportado George VII como arrastar uma asa para o mito como Arthur I. Contudo, ele ficou mesmo no Charles III, nome que remete aos dois primeiros Charles (ou Carlos), sucessores quase imediatos da primeira Elisabeth.

A diferença é Jaime I, que assumiu o trono quando a filha da decapitada Ana Bolena morreu sem herdeiros em 1603, encerrando a dinastia Tudor. Contestado numa época tumultuada, uma das marcas do seu reinado foi a Conspiração da Pólvora, a tentativa de assassiná-lo que envolveu Guy Fawkes, inspirador da máscara do Anonymous.

Seu filho, Carlos I, assumiu em 1625 e herdou do pai os conflitos com o Parlamento, que acabou por liderar uma guerra contra seu absolutismo depois que ele decidiu dissolvê-lo e governar sozinho em 1629. O rei ainda tentou voltar atrás quando se viu sem saída, mas foi deposto em 1645, preso em 48 e decapitado em 49.

Dessa época em diante, o governo foi comandado na prática por Oliver Cromwell, o Lord Protetor que morreu em 1658. Dois anos mais tarde a monarquia foi restaurada e o filho de Carlos I assumiu o trono como Carlos II, conhecido como "rei fujão" por ter se abrigado na França durante os conflitos em seu país. Carlos II reinou até 1685 e suas estátuas já devem ter sido derrubadas, pois hoje em dia é mais lembrado por ter criado uma companhia a qual outorgou o monopólio do tráfico de escravos africanos. Seu sócio na empreitada era o irmão, o duque de York, que o sucedeu como Jaime II. Feito o histórico, vem a pergunta: o que o atual Charles pretende ao decidir reinar com esse nome?

Nada é por acaso numa realeza preocupada com sua popularidade. Talvez seus pais já tenham lhe dado o nome para refazer a sequência da primeira Elisabeth sem o Jaime no meio. Mas isso poderia ter sido alterado nesses tempos politicamente corretos para ninguém se chocar com a lembrança do que os outros Charles fizeram.

Será que ele quis passar a mensagem de que não adianta querer derrubar a monarquia porque ela pode ir embora com um Charles, mas logo volta com outro?

Acho que é mais ou menos por aí, porém o recado é ainda mais light. O que ele quer mesmo é que as pessoas lembrem que, com seus erros e seu charme, indo e voltando com seus Charles e suas Elisabeths, a instituição é uma parte da paisagem que é até legalzinha e está aí há séculos. Como acabamos de fazer.

Na imagem acima, Carlos II e sua esposa Catarina de Bragança, portuguesa que levou para a Inglaterra o gosto pelo chá e o uso da porcelana.


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