segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Autocratas

Henry, que mora na esquina da embaixada brasileira em Londres e lê o Guardian, não se surpreendeu quando viu a multidão tomando a rua com faixas e bandeiras. Às vezes ele via pequenos grupos protestando por ali. Mas se o próprio monstro estava lá, era natural que os exilados brasileiros se mobilizassem para mostrar seu repúdio a quem destrói as liberdades de seu país.

Mas aí Henry saiu para comprar pão e percebeu que o pessoal estava aplaudindo o autocrata. Ficou tão surpreso que esqueceu a fleuma e puxou assunto com um manifestante. E este lhe informou que esse apoio espontâneo era comum no Brasil, onde quem foge do povo é o adversário de Bolsonaro, um ex-presidiário que precisa contratar pessoas para ter algum público em seus comícios cercados por tapumes.

Henry chegou em casa e ficou olhando para o seu exemplar do Guardian. Pode ser que eles venham a perder aquele dólar (libra?) de contribuição.

***

O UOL diz que Bolsonaro está usando seu périplo internacional para contatar extremistas como, entre outros, Viktor Orbán. E a Foice informa que o Parlamento Europeu acaba de classificar o governo do húngaro como "autocracia eleitoral". Com isso e uma decisão judicial da mais alta corte do bloco, a Comissão Europeia, o Poder Executivo da UE, pode começar a incomodar o cara cujo partido conquistou 135 de 199 vagas no Parlamento "em eleição vista como pouco equilibrada por observadores internacionais".

"Comissão", "observadores" e assemelhados equivalem aos "diplomatas" do Chamil Jade e aos "especialistas" ou "estudiosos" da imprensa em geral. Mas eu sempre tento ver o que eles falam do Orbán, porque até hoje não consegui saber como funciona sua ditadura. Eles sempre citam a concentração da mídia. Mas, até onde eu sei, ninguém está proibido de falar o que quiser na Hungria, pela mídia tradicional ou pela internet. A impressão que dá é que o povo (que está ao lado de Orbán como mostra a eleição parlamentar) dá preferência aos canais que o apoiam. Seria a ditadura Jovem Pan.

Uma nova acusação é que o "líder iliberal" (!) deu início à fusão dos três maiores bancos no país, controlados por seus aliados. Imagine se ele acabasse com os bancos estaduais (e outros) como o FHC. Deve ser a ditadura Unibanco-Itaú.

Outro dos "diversos exemplos" da Foice é que, em julho, Orbán criticou países abertos a acolher imigrantes e "misturar populações". Atacou os países militarmente? Não, deu sua opinião. Espero que ele não tenha pensado em quebrar janelas de ninguém.

Para piorar, dias atrás o malvadão decretou que grávidas serão obrigadas a escutar as batidas do coração do feto caso decidam submeter-se a um aborto. Sim, você leu direito, o aborto é permitido na Hungria (até a 12ª semana de gestação). Deve ser a primeira ditadura que usa a consciência dos rebeldes para puni-los.

O texto da Foice termina dizendo: "Não são atitudes de quem mostra alguma disposição ao diálogo e à moderação. A missão civilizatória da UE está diante de um desafio."

Prisões políticas por crime de opinião, inquéritos irregulares em que a alegada vítima também investiga e julga, malversações escandalosas de textos legais, libertação de um criminoso por militantes que ele mesmo instalou em um tribunal? Nada disso, que aqui é feito ainda na oposição pela turma que a Foice aprova, encontramos na ditadura de lá.

A inversão de valores desse pessoal está atingindo níveis assustadores. Mas deixa estar, o inverno deles está chegando.


Nenhum comentário:

Postar um comentário