Deu no New York Times. Poucas décadas atrás, a imprensa era uma espécie de entidade superior, inacessível à maioria dos mortais, que observava a sociedade e escolhia o que nesta deveria ser destacado. Ser atacado por ela era um drama para o político, ser esquecido o era para o ator. Apenas sair no jornal era uma honra para a maioria.
Com o tempo, como toda elite, o pessoal da imprensa foi se ensimesmando, voltando-se para os seus sem deixar de acreditar que sua posição beneficiava a todos. E parte dele passou a imaginar que sua missão não era contar o que lá acontecia, mas dizer à sociedade como se comportar, "transmitir valores" ou coisa assim.
Quem não gostava disso só podia reclamar com o amigo ao lado, pois ninguém mais o ouvia. Mas um dia, quando a tecnologia avançou a ponto de interconectar os comuns, descobriu-se que o número de incomodados era imenso e muitos deles passaram a olhar para a imprensa como esta antes olhava para o restante.
Quem observava se tornou observado. Logo, quem era só pedra se transformou também em vidraça. No começo, fechado em seu mundo, o jornal nem percebeu. Mas depois de algum tempo o fenômeno passou a incomodar. E a reação foi a pior possível.
Ao invés de recuar cuidadosamente e usar a tradição para se apresentar como um setor confiável e o mais possível isento em meio à algazarra geral, a maioria da imprensa pisou no acelerador e decidiu que o seu problema era ainda não ter educado adequadamente os selvagens, insistindo em transmitir valores ou coisas assim.
O resultado não podia ser outro. A cada chilique da vidraça militante seguiam-se as pedradas que expunham sua arrogância, sua lógica capenga e seus erros ortográficos. O próximo chilique era maior. As críticas também. Uma Folha decidia comandar uma campanha como o Use Amarelo. O ridículo, previsível para qualquer um que não estivesse imerso no seu mundo fantasioso, a desmoralizava duplamente.
Liberdade para os meus
E assim chegamos ao editorial do Estadão que usou o Dia Nacional de Liberdade da Imprensa para equipará-la à liberdade de expressão (como se os demais não tivessem esse direito), reclamar dos ataques que a imprensa sofre (como se quisessem censurá-la) e afirmar que as redes "falharam em sua missão" e foram tomadas por malvados (como se elas se limitassem a eles e a imprensa não os tivesse).
O editorialista malandro não disse abertamente. Mas é óbvio que ele e sua turma anseiam por uma "liberdade" em que eles falem e os demais sofram o "controle social" que os ameaçava no passado. Não é só porque o petismo lhes reabriria os cofres públicos que eles atacam desonestamente quem pode impedi-lo de voltar. Que o ex-presidiário agora só fale em censurar as redes também explica essa preferência.
No dia da Liberdade de Imprensa, Bolsonaro sugere fechar mídia brasileira
O título acima é uma manchete de ontem e serve para ilustrar a desonestidade a que nos referimos. Você vai ler a matéria e descobre que aquilo que o presidente disse foi: "Se for para punir fake news com a derrubada de páginas, fechem a imprensa brasileira que é uma fábrica de fake news. Em especial, Globo e a Folha."
Isso corresponde ao Pedro dizer "se o tarado do João tocar em minha filha eu o mato" e o jornal noticiar que Pedro quer matar João. O "se" muda tudo, uma meia-verdade é uma mentira, uma fake news como eles gostam de dizer.
Que moral essa gente tem para criticar as redes feitas para serem abertas a todos quando eles, que só publicam o que passa pelo filtro da direção, cometem essas barbaridades? Atacam de modo sujo. E não querem ser criticados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário