Quase cinquenta anos depois, sai a nova versão de O Dorminhoco. Nela, o sujeito entra em sono profundo e só acorda passando das oito. Sem ter visto as notícias matinais, ele não sabe exatamente o que está acontecendo neste mundo futuro. O que fará? Vamos descobrir juntos nesta verdadeira obra em aberto.
O que mais mudou nesses cinquenta anos? Creio que a informática, os computadores e as novas formas de comunicação entre as pessoas, que agora podem interagir e se informar em grupos como este nosso, sem necessidade de uma TV ou jornal e com a possibilidade de se manifestar que estes não ofereciam.
Estou dizendo isso porque o Estadão anuncia que hoje é o "Dia Nacional da Liberdade de Imprensa" e, logo abaixo, acrescenta "Uma Campanha em Defesa do Jornalismo Profissional". No editorial que se refere à chamada, o de sempre, mas com um tom pelo menos estranho. Veja o início do texto abaixo.
Nunca, desde a redemocratização, foi tão importante celebrar este Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. A crise é global, mas no Brasil é particularmente aguda. Democracia e liberdade de expressão são tão visceralmente ligadas que é impossível dizer qual é a causa e qual a consequência. Não surpreende que as instituições que as encarnam – o Estado de Direito e a imprensa independente – estejam sob pressão.
Separei a primeira frase porque ela é só a abertura bonitinha do que vem depois. Que crise é essa, particularmente aguda? Alguém está propondo o antigo controle social da mídia do PT? No governo atual, não está. Apesar deste ser atacado como nunca pela imprensa, sua única resposta consiste justamente em responder. Não pode? Tem que apanhar calado?
O Estadão parece acreditar que sim, pois praticamente equipara "liberdade de expressão" a "imprensa independente", parecendo não saber que a primeira abrange cada cidadão do país e a segunda é limitada a quem tem um jornal.
Institutos responsáveis por monitorar liberdades apontam unanimemente uma recessão da democracia no mundo (...) No Ocidente, a promessa das redes digitais de ampliar a pluralidade e a liberdade de opinião malogrou. A lógica de impulsionamento dos algoritmos favorece o sensacionalismo e a agressividade. Cresce o número de políticos que, auxiliados por tropas de robôs, usam táticas digitais para intimidar adversários e distorcer eleições.
Quem disse que malogrou, Estadão? Pergunte ao cidadão que antes não podia se manifestar se ele se importa com o fato das redes darem voz a todos, inclusive quem ele não gosta. Pode ter piorado para vocês, a ínfima minoria que perdeu a exclusividade de antes, não para a imensa maioria.
E que malandragens são feitas nas redes que já não eram realizadas pela imprensa? De novo, o Estadão parece incomodado com a perda da exclusividade. E, num dia pretensamente dedicado à liberdade, quase pede a censura das redes que faz parte do programa de um dos candidatos.
Depois o editorialista ainda vai criticar os métodos de sufocar a imprensa e dizer que o estrangulamento financeiro é um deles. Qual estrangulamento, no Brasil atual? Alguém está impedindo o Estadão de colocar seu jornal à venda e ganhar milhões? Só se ele se refere ao fim da farra com dinheiro público da era petista
Vai longe o tempo em que o jornal que não recebia sua verba criticava o governante e eventualmente até o derrubava. Hoje eles fazem isso e não acontece nada. Mas se as redes fossem caladas voltaríamos à situação de antes. Voltar no tempo e não ter acordado hoje parece ser o sonho do moço do Estadão nessa sua falsa defesa da liberdade.
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