sexta-feira, 17 de junho de 2022

Culpa já estabelecida

Tia Reinalda perdeu o discurso. Como o pouco de lógica que lhe restou após a transição a incomodava, a conhecida figura viu-se obrigada a inventar um argumento para culpar o atual presidente pela execução dos dois novos mártires esquerdistas e desculpar o da época pela da missionária Dorothy Stang.

Um teria lamentado a "perca", o outro não. Essa seria a diferença, como se o lamento daquele fosse mais do que protocolar e a observação que este fez sobre o comportamento irrefletido das vítimas implicasse em algum tipo de aprovação ao que lhes aconteceu.

Pois bem, li por aí que Bolsonaro lamentou também o fato em uma live. Mas não é necessário ser vidente para saber que isso de nada servirá. Tia Reinalda nem voltará ao assunto. Se voltasse, diria que ele lamentou tarde demais ou qualquer outra coisa que lhe permitisse estabelecer a diferença que lhe interessa.

Com os colegas de militância é ainda pior. Entre a turminha cujos resistores lógicos já estão quase totalmente avariados, o curto-circuito entre fato e discurso é inevitável. Alguém mais ou menos de esquerda foi sancionado na selva? O roteiro já está estabelecido.

Encontraram os culpados, mas isso não serve. Elaine Bruma ainda não está contando os dias, mas já está perguntando quem são os mandantes. Se a polícia acabar descobrindo que a história inicial é falsa e realmente existiu um mandante, a intelectual da selva perguntará pelo mandante do mandante.

A culpa deve ser do capitalismo, dos que não param tudo para conter as "mudanças climáticas", da sociedade, da religião, dos machos brancos patriarcais, E, é claro, mais especificamente de Bolsonaro. Talvez de Trump também. Afinal, como disse o Chomsky, os dois são piores que Hitler e querem matar todo mundo para lucrar sem limites.

Titia exemplar

Eu ia escrever outra coisa, mas fui dar uma olhada na Folha e termino voltando ao início, com trechos do artigo que Tia Reinalda publicou hoje lá. Após um papo furado inicial, nossa titia escuta outra vez o grito distante da lógica torturada no porão e tenta enrolar uma espécie de justificativa para a sua atual posição.

Bem mais moço, vislumbrei a vereda de um Estado que nos deixasse viver e morrer em paz, desde que cumprido o misto de determinação e desiderato das democracias, que têm de garantir a igualdade perante a lei, de assegurar as liberdades individuais e de buscar corrigir, por meio da educação e de outras políticas de bem-estar, o que a origem de cada um desconsertou. Esperança vã. Quantos são os que, em algum momento, já se disseram liberais e estão agora a serviço de um governo que cultua a morte em vida? Alguém entendeu? Pois é, mas a intenção é clara. E logo depois Tia Reinalda finaliza o artigo com o que realmente queria dizer. Não comento porque a gente acaba até sentindo um pouco de vergonha por ver o que ela se tornou.

Já escrevi neste espaço que, na eleição de outubro (se houver), a neutralidade entre a corda e o pescoço será necessariamente corda e que a polarização, esse termo quase sempre mal-empregado, se dá entre democracia e não democracia. Atualizo. Haverá uma disputa entre a vida e a morte. A primeira comporta um leque infinito de divergências. A outra é um "estado de sítio permanente", para lembrar de novo Machado de Assis. Que a memória da luta do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Philipps colabore para que a vida vença o reino da morte no Brasil. Para que voltemos a ter direito à sorte e à roda da Fortuna rosianas.

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