O galã descobrir que o empregado que ele humilhava é o seu verdadeiro pai, tudo bem. Mas imagine se algum daqueles dramalhões antigos teria coragem de criar um personagem que é juiz da mais alta corte, mas fica batendo boca na rua e acusando alguém de ter "pensado" em usar aviões para quebrar as janelas do seu prédio.
Na verdade, nem mesmo as fofoqueiras estereotipadas daquelas antigas tramas inventariam algo tão imbecil. E os juízes que nelas apareciam eram sempre de uma sobriedade a toda prova, sábios que mediam as palavras e ofereciam sensatos conselhos.
Mas, de resto, o enredo da novela das urnas eletrônicas sem voto auditável está bom. O jogo de pressões para impedir que a lei que previa a impressão do voto fosse cumprida, o general que entra e depois sai, os logs apagados, as contradições em relação à vulnerabilidade do sistema, tudo está nos conformes.
Basta continuar explorando essas possibilidades para manter o suspense e fazer o ouvinte acompanhar cada novo capítulo com o coração na mão. Mas isso é o normal e a marca do gênio consiste em ir além. Para atingir o patamar onde só as grandes estão, essa trama precisa de um tempero a mais.
Qual? Bem, eu não sou especialista no tema, mas optaria por introduzir repentinamente um personagem totalmente desconhecido até então. Seu nome seria o de menos, os marqueteiros que o escolhessem. Porém ele seria para sempre lembrado como o "Técnico do TSE".
"Técnico do TSE revela que as urnas estão fraudadas", diriam as manchetes daquela manhã. Abaixo delas, as primeiras informações. Após negociações secretas que se arrastaram por meses, o técnico, cujo nome está sendo mantido em sigilo, foi levado com seus familiares para um local desconhecido, onde se encontra sob proteção das Forças Armadas.
Os detalhes logo circulariam freneticamente pelas redes. Com a cenoura de milhões num paraíso fiscal de um lado e o chicote de ter a família assassinada do outro, os responsáveis pela programação das urnas cederam e criaram um sistema capaz de burlar todos os testes e desviar votos de um candidato para outro.
"Mentira", gritariam os dirigentes do TSE - mas isso é o que sempre dizem os culpados, ainda mais nas novelas.
"Jamais faríamos isso", ecoariam os técnicos do órgão - mas é óbvio que eles não poderiam dizer nada diferente.
Silêncio seria a resposta dos que sempre defenderam as urnas sem voto impresso com fervor religioso. Pois já pensou se eles saem berrando que o Técnico do TSE mentiu e o sujeito apresenta as provas do que diz?
Do outro lado, a indignação explodiria entre os adeptos do voto auditável. Generais da reserva gritariam de imediato e os da ativa logo depois. Grupos de CACs proporiam uma revolta armada se as eleições não fossem adiadas até termos o voto impresso. Os chamados para a gigantesca manifestação popular inundariam as redes.
No fim...
Bem, não posso contar o final para não estragar a novela e porque só apresentei uma sugestão de amador. Talvez o público responda como deve e não seja necessário inventar nada tão revolucionário. Se for, certamente existem profissionais muito mais criativos e eficientes do que eu.
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