quinta-feira, 12 de maio de 2022

Lenin mais calminho

Vladimir Safatle, o popular Lenin de repartição, anda mais calminho nos últimos tempos. Foi assim que ele escreveu O que fazer diante de um golpe em preparação, cuja íntegra pode ser encontrada no UOL. Nós só vamos comentar a parte central do artigo, que vem depois dele dizer que o atual governo é militar.

A verdade é que muitos de nós insistimos que não havia outra coisa a fazer do que lutar e exigir o impeachment de Bolsonaro o mais rápido possível, antes do processo eleitoral, pois justificativas não faltavam, seus desejos de ruptura institucional nunca precisaram ser escondidos. No entanto, em nome do respeito institucional e da recusa em fazer o país para por mais outro "trauma", estamos agora diante de um trauma que chega até nós em câmera lenta.

Hahaha, "respeito institucional", como se eles, que tentaram de tudo para seguir o exemplo do "socialismo do século 21", tivessem algum. Basta lembrar das inúmeras tentativas de estabelecer a censura no Brasil, da Dilma ainda tentado emplacar seus "conselhos populares" às vésperas do impeachment. E que "trauma", malandro, vocês não tiveram foi os seis milhões na rua que teve contra ela - eles sempre "esquecem" isso.

Insistiria que esse comportamento dos atores políticos governistas é fundamentado, entre outros, na compreensão de que haverá apoio popular relativo a tudo que Bolsonaro tentar. Depois de uma gestão criminosa da pandemia, com suas mais de 700 mil mortes, depois de uma gestão econômica de pauperização e depois de ser o primeiro governo em décadas a entregar a nação à diminuição do poder de compra do salário mínimo, o ocupante atual da presidência detém algo em torno de 30% das intenções de voto.

A mente trai. O Lenin fez de tudo para não falar do apoio popular na questão do impeachment, mas o tema ficou na sua cabeça e ele o citou a seguir. E vemos que eles continuam tentando atribuir a pandemia e suas consequências econômicas a Bolsonaro. Imagine se o presidente tivesse se tornado outro Fernandez, como eles queriam.

Se levarmos em conta que sequer começamos a campanha eleitoral e que, em campanha, ocupantes do governo que tentam reeleições têm a tendência natural de subir, uma vez que contam com o apoio da máquina governamental, podemos perceber uma impressionante resiliência que mereceria ser estudada mais a fundo e de forma mais analítica.

É uma boa desculpa para ajustar as pesquisas. "Mais analítica" não está aí de maneira gratuita. Seria o caso de salientar que de nada adianta afirmar que a luta contra Bolsonaro é uma luta "da civilização contra a barbárie", "da ciência contra o obscurantismo", "da alegria contra o ódio" e coisas dessa natureza. A afirmação de nossa pretensa superioridade moral e intelectual nunca serviu de nada, apenas para compensar nossa dificuldade em compreender como a extrema direita e governos proto-fascistas se consolidam.

Não disse que ele anda mais calminho? Quando o antigo Lenin admitiria que a afirmação de superioridade moral e intelectual era apenas uma muleta para justificar as derrotas? Só falta agora o Veludo admitir que eles não são "o Bem", outros entenderem que os apoiadores do presidente acreditam que a terra é redonda, essas coisas.

Fascistas se viam como os reais representantes da grande cultura ocidental pretensamente degradada devido à sua instrumentalização pelo "bolchevismo cultural". Os livros didáticos da Alemanha nazista tinham citações de Platão para justificar o racismo, pareceres a favor da eutanásia vinham com citações de Sêneca. Isso serve, entre outras coisas, para nos lembrar de que nossa civilização não é garantia alguma contra a barbárie. Ela a porta em seu coração como uma de suas potencialidades. Estaremos mais aptos a lidar com regressões sociais e políticas se compreendermos o quanto de sombra há em nossas luzes.

Bonitinha essa de "ela a porta em seu coração". Mas é interessante o que vem antes. Acho que na cabeça dos caras a coisa é mais ou menos assim: os nazistas combatiam o marxismo cultural, logo quem combate o marxismo cultural é nazista.

Da mesma forma, seria o caso de dizer que "ódio" é uma categoria teológico-moral. É a figura sucedânea do "mal", do "irracional", do "diabólico". E não está nítida qual pode ser a função de categorias teológico-morais dessa natureza dentro de um embate político. Bolsonaristas também nos descrevem como seres impulsionados pelo ódio.

Também tem o ressentimento.

Por isso, seria mais útil nesse momento se perguntar como a extrema direita cresce a partir de nossas próprias contradições e silêncios, como ela captura desejos reais de mudança e ruptura. Bolsonaro mobilizou seus eleitores durante toda a pandemia utilizando o discurso da liberdade como propriedade que cada indivíduo teria sobre seu próprio corpo. Ele falou a todo momento da capacidade de assumir riscos e não esperar alguma forma "paternalista" de segurança em relação ao Estado. Bem, quantas vezes discursos dessa natureza foram usados por quem se diz progressista? Continuamos a acreditar neles?

Mas as pessoas não devem ter liberdade sobre seus corpos? Veja que, segundo você mesmo, o discurso funcionou. Não seria o caso dos progressistas utilizarem ainda mais essa parte boa do bolsonarismo? Cuidado para não jogar a criança e ficar só com a água suja do banho.

De fato, o discurso político da oposição ao governo tem um movimento pendular que oscila entre os chamados a "dialogar" com setores da população fieis a Bolsonaro e a descrição de que nossa luta é contra a "barbárie". Essa polaridade não tem como funcionar. Melhor seria lembrar que mobilizações políticas que se organizam de forma eminentemente negativa, a partir da recusa a um candidato ("agora, somos todos contra Bolsonaro"), tem fôlego curto. Quebrar a força popular do bolsonarismo exige mais, exige impedir que a imaginação política passe pela atrofia.

Sei, Lenin, sei. É aquele negócio de "falar com os evangélicos" num dia e chamá-los de evanjegues conduzidos por farofeiros no outro. O problema é que vocês nunca conseguem disfarçar por muito tempo. Quebrar a força popular de quem se opõe a isso não é realmente fácil. Melhor continuar como vocês estão, tentando governar a partir dos supremos e do seu voto não auditável.


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