Nem toda Eliane vive na floresta amazônica. Os exemplares da subespécie Cantanhêde estão perfeitamente adaptados à selva do jornalismo tendencioso que não disfarça a ânsia para voltar a meter a mão no cofre, diretamente ou através de patrões como Globo e Estadão. Foi neste último que ela publicou o artigo abaixo.
Hora de explicar o óbvio
Acostumada à arrogância do tempo em que só seus amiguinhos podiam falar, Eliane trata seu leitor como um idiota que precisa ser ensinado pela fêssora do jornalão. Mas vamos ao assunto.
Antes sorrateiramente, agora ostensivamente, o presidente Jair Bolsonaro usa uma estratégia sofisticada e audaciosa para inverter o jogo e dizer que ele é o verdadeiro democrata e quem ataca a democracia são os outros, os adversários e as próprias instituições. Uma estratégia demoníaca.
O "demoníaca" parece um eufemismo, mas as palavras traem. Será que a pretensa mestra acabará caindo na vala dos que, na falta de argumentos consistentes, acabam se limitando a dizer que são o Bem e Bolsonaro deve ser combatido porque é o Mal? Na denúncia-crime de Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, o "Messias", "mito" e "democrata" o acusa de abuso de autoridade e de ataques à liberdade de expressão, à Constituição e à democracia. Não é pra rir! É para ficar cada vez mais alerta, porque é esse tipo de inversão da realidade que Bolsonaro usa e seus robôs, virtuais ou de carne e osso, replicam na internet – inclusive como comentários de leitores. Ele cria a realidade paralela, sua tropa replica sem pensar.
Realmente, não é para rir. Seria para chorar. Nós temos pessoas condenadas em processos irregulares, com invenções como considerar a internet subordinada ao regimento interno de quem a usa. Temos prisões por "delito de opinião". Temos exilados pelo mesmo motivo, que só não estão presos porque a Interpol não se presta a Gestapo internacional.
Se o Allan dos Santos trabalhasse no Estadão, Eliane berraria contra o abuso de autoridade e o ataque à liberdade de expressão. Como é "bolsonarista", ela se cala. E, incomodada com os que lhe jogam sua hipocrisia na cara, mas sem condições de contestá-los, decide ofendê-los chamando-os de robôs sem capacidade de pensar. Na realidade real, é Bolsonaro quem ataca urnas eletrônicas (sem mínimas evidências de fraude em décadas), o TSE e o Supremo e já entrou com pedido de impeachment de Moraes no Senado, tentou denúncia-crime contra ele no Supremo e insiste na PGR.
Puxa, Eliane, logo você, repetindo como robô a asneira de que a urna é boa porque não pode ser fiscalizada. E qual seria o problema de não gostar desse sistema? Aqui não há quem ataque o método da conferência impressa do voto, utilizado no mundo civilizado? Ou para que a lei previu o impeachment de ministros que se comportam indevidamente? Era só para bonito? Nada do que você disse constitui irregularidade ou apaga as cometidas pelo Alexandre. Tente outro diversionismo.
Foi também Bolsonaro quem fez homenagem no Planalto a condenado pelo STF e, no 7 de Setembro, anunciou a intenção de descumprir decisão judicial. De tão grave, a ameaça mobilizou até o ex-presidente Michel Temer para apagar o incêndio. Logo, é ele, Bolsonaro, quem ameaça instituições, eleições e a democracia.
Ele homenageou alguém e anunciou intenção, são sempre assim os "crimes" do presidente. Mas aqui está também o cerne do truque utilizado por inversores como a Eliane. Eles tratam o STF, o TSE e que tais como entidades infalíveis e inatacáveis. Mas não fazem o mesmo, como seria lógico, com a Presidência da República. Tentam assim dizer que há uma luta de um tal Bolsonaro contra as sagradas instituições, não contra Alexandres, Barrosos e outros que se comportam de maneira ditatorial (em atos, não só em declarações).
Na realidade paralela, a jogada de marketing é transformar em vítimas Bolsonaro, Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Allan dos Santos e a milícia bolsonarista e, em réus, os que defendem a democracia, asfixiam atos golpistas, condenam quem posa com armas para ameaçar autoridades ou jogam fogos de artifício no STF.
Somos obrigados a concordar que são mundos paralelos. Só que é muito fácil mostrar que, por exemplo, o Allan dos Santos está sendo ditatorialmente perseguido e não é nenhum terrorista perigoso. Do outro lado, Eliane usa a artimanha de distorcer palavras e equipará-las a atos concretos para defender os que as "asfixiam". Não ameaçam asfixiar ou dizem que o farão, asfixiam realmente, prendem pessoas por delito de opinião.
Na versão bolsonarista, "liberdade de expressão" é licença para qualquer coisa, pregar a volta da ditadura, o AI-5, o fechamento do Supremo, ameaçar bater nos ministros, não respeitar decisão judicial, sabotar as eleições, tudo que seu mestre mandar. Isso não é liberdade, muito menos democracia.
Já que você escolheu exemplos a dedo, escolho um também. Qual é o problema de querer fechar o Supremo? No Chile querem acabar com o Senado, aqui mesmo já quiseram instaurar o parlamentarismo ou restaurar a monarquia. O que há de antidemocrático nisso? Ou em não aceitar decisão evidentemente irregular de juiz parcial? Só o que lhe agrada, Eliane, é liberdade de expressão?
A jogada é para dar discurso aos eleitores de Bolsonaro na campanha eleitoral, neutralizando as ameaças golpistas dele e transformando a eleição numa guerra entre quem é mais e quem é menos democrata. Absurdo? Sim, mas estamos na era dos absurdos.
Mas a próxima eleição é mesmo uma guerra entre quem é mais ou menos democrata. De um lado nós temos um candidato subordinado à ditadura mais longeva e sanguinária do continente, que defende abertamente a censura, que já comprou parte dos políticos e dos jornalistas para aqui instaurar uma versão do socialismo bolivariano, que só não está na cadeia porque lotou o STF de "soldados" que defendem seu intento. Do outro lado, sem jamais ter manifestado a mínima intenção de calar pessoas ou puni-las por suas opiniões, nós temos Bolsonaro. De que lado você está, Elaine? É como na pandemia. Se a "culpa (pela tragédia no Brasil) foi do STF e dos governadores", agora, os problemas respiratórios, cardíacos e psíquicos não são sequelas da covid, como a medicina e a Ciência mostram, mas das vacinas, que Bolsonaro combateu e não tomou.
Quem gerencia a saúde são os governadores, é o padrão do SUS. Desde que o STF lhes repassou também o direito de fechar e abrir, tudo ficou, para o bem e para o mal, na mão deles. Por incrível que pareça, essa simples constatação é contestada no mundo paralelo do jornalismo das Elianes. Quanto às vacinas (que têm sim suas falhas) é só ver quem entrou no consórcio para produzi-las no início e mais as adquiriu no final. Gente, democracia é democracia, liberdade de expressão é liberdade de expressão, covid é covid, vacina é vacina. Ah! E a Terra é redonda.
Gente, que final incrível, que fecho de ouro. Sem mostrar um só ato do presidente contra a democracia e a liberdade de expressão, sem conseguir esconder os dos Alexandres da vida, Eliane volta ao "argumento" do Bem contra o Mal. E apegando-se às mentiras da questão da covid, que só não vamos destruir mais aqui para não estender o assunto.
Para culminar, "a Terra é redonda". Sim, sim, você sabe, o sujeito pode ser empresário, físico nuclear, médico ou coisa do tipo. Pode até parecer inteligente, mas se ele concorda com o presidente é um ignorante cuja opinião não pode ter o mesmo valor de alguém como um jornalista da velha e carcomida imprensa. É assim que funciona no mundo fechado e paralelo em que vive Eliane, admirar o umbigo é o que resta para quem não sustenta o que diz ao ser contestado de verdade. Não é de surpreender que, na supracitada guerra, essa gente arrogante escolha o lado favorável à censura das redes e à doação de verbas públicas para suas empresas. É uma questão de sobrevivência.
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