terça-feira, 3 de maio de 2022

Fontes, o anão

Ele não permite que o fotografem, poucos o conhecem. Muitos até pensavam que O Anão era uma pessoa e Fontes outra. Mas quem é, como vive e o que pensa esse misterioso e importante personagem do jornalismo nacional? Saiba agora, por ele mesmo, nesta matéria exclusiva de nossa repórter Karina Antunes.

- Bom dia, Fontes. Em primeiro lugar, muito obrigada por aceitar meu convite. Creio que essa é a primeira entrevista que você concede em décadas, estou certa?

- Sim, Karina, eu tento me preservar ao máximo.

- Como você já avisou que tem pouco tempo, vamos direto ao assunto. Que história é essa de que você fica embaixo das escrivaninhas escutando as conversas?

- Hahaha! É brincadeira, claro. Ser anão ajuda, mas em outro sentido. As pessoas não têm medo da gente e nos tratam com certa condescendência, falam do que não falariam se na mesa ao lado estivesse sentado alguém "normal", essas coisas.

- É assim que você consegue suas informações?

- Já obtive muitas desse modo. Mas o principal é o network, os contatos que eu desenvolvi ao longo do tempo em todos os níveis. Usando o nanismo a meu favor, eu fiz amizade não apenas com políticos, mas com o garçom, a moça que serve o cafezinho e outros "invisíveis". Alguém sempre escuta alguma coisa.

- E como é que você decidiu seguir essa carreira?

- Eu queria ser jornalista, mas naquela época ninguém contratava anões. Aí eu vim para Brasília e tentei me virar como freelancer, cavando fatos inéditos e enviando matérias para os jornais. Estava nisso quando uma moça da Folha perguntou se eu não queria trabalhar como seu informante. Com as contas atrasadas, topei. E o resto é história.

- E uma história de sucesso, estou certa?

- Sim, depois de um tempo se tornou.

- Você falou em tempo e olhou o relógio, já está preocupado com o horário?

- Você é observadora, gosto disso. Mas é que está quase na hora do culto e hoje é a minha vez de dar o testemunho, contando como minha vida se iluminou após eu entender que minha aparente deficiência era uma bênção de Deus.

- Ah, você é evangélico? É religioso?

- Não sou, mas na minha profissão é preciso saber para onde sopra o vento. Já conheço mais a Bíblia que muito pastor.

- Então você também estuda o universo daqueles de quem quer se aproximar?

- Sem dúvida, não se ganha a confiança das pessoas de outro modo. Com os militares, por exemplo, eu comecei vendo o hasteamento da bandeira no quartel todos os dias, de camiseta verde e expressão abatida. Um dia vieram falar comigo e eu disse que minha tristeza era não ter conseguido entrar no Exército por causa da altura. Hoje passo as noites de sexta jogando pôquer e tomando uísque com os coronéis.

- Rapidamente, para terminar, o que deixa Fontes feliz?

- Ver um segredo que ele revelou na manchete principal.

- E o que o deixa indignado?

- Usarem meu nome indevidamente. Aproveitando-se do fato de que eu não posso aparecer, às vezes inventam qualquer coisa e me atribuem sua autoria.

- Um sonho, qual é o seu?

- Ver minha história no cinema, estrelada pelo meu ídolo, Peter Dinklage.

- Legal, vou inclusive sugerir que a entrevista seja ilustrada pela foto dele. Chama a atenção do público. Posso? Você se importa?

- Absolutamente, Karina, conheço os truques. Pode sim.

- Se o filme não sair, você pretende escrever um livro de memórias quando se aposentar?

- Amo o que faço, jamais me aposentarei.

- E quando você morrer? Sem Fontes, como ficará o nosso jornalismo?

- Minha preocupação é do que eu vou viver quando o jornalismo brasileiro terminar de morrer. Afinal, eles já estão nas últimas e eu sou eterno. Você já viu enterro de anão?


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