quinta-feira, 14 de abril de 2022

A diarista do Irajá

Existe aquela versão guerra híbrida de que tudo foi de comum acordo e Judas só cumpriu seu papel a contragosto. Mas, segundo a visão tradicional, hoje é o dia da Santa Ceia e, consequentemente, da mais famosa traição da história. Nada mais adequado, portanto, que ver o que anda aprontando a traidora do Irajá.

Como aquelas faxineiras que encaram o que outras não, ela é útil aos novos donos. Assim, quando as raposas políticas não pularam da barca de Bolsonaro como eles haviam previsto, Tia Reinalda foi chamada para inventar novas explicações. Veio de uber, os chefes pagaram. E como o início dá para adivinhar, vamos direto para o final da sua viagem.

CONCLUSÃO

As lambanças a que se refere o texto constitui o que Ciro Nogueira chama de "corrupção virtual" do governo. E, convenham, isso é parte do que se consegue saber em um dos órgãos do Ministério da Educação.

A frase de Ciro é "não houve corrupção, é uma corrupção virtual". E não houve, basta ver a reportagem do inimigo O Globo que foi comentada aqui esses dias para verificar que as suspeitas de corrupção no governo Bolsonaro se reduzem a cinco e envolvem casos isolados na ponta do processo, em geral sem desembolso de valor algum.

O principal motivo disso, também já citado por aqui, é a manutenção de partes decisivas da máquina pública nas mãos dos militares, o verdadeiro partido de Bolsonaro.

Talvez venha daí a certeza absoluta — que, por ora, é pura expressão do desejo — que demonstra este senhor de que Bolsonaro vai ganhar a eleição, hipótese em que o Centrão continuaria a ser a força hegemônica do governo. Essa certeza da raposa astuta é o que incomoda a chefia de Tia Reinalda, que tentará explicar que tudo decorre da vontade do Centrão de permanecer onde está. Mas isso tem algum sentido? Tem lógica?

Suponhamos que o Centrão tenha realmente gostado mais de trabalhar com Bolsonaro que com outros, é possível. Isso transformaria Ciro num apaixonado que, cego de amor, se recusa a considerar a hipótese de perder a amada? Ou ele continuaria sendo aquele sujeito pragmático que, vendo a água começar a entrar, lamentaria a perda de um barco tão querido, mas logo pularia para o que tem mais chances de chegar ao porto e começaria a se acertar com seu capitão?

O chefe da Casa Civil tem alguma esperança de que um eventual segundo mandato possa ser virtuoso? É claro que não. Até porque o presidente continuaria na sua sanha para esgarçar a democracia, e o Centrão se dedicaria à tarefa habitual de assaltar os cofres públicos. Uma segunda jornada para Bolsonaro também implicaria risco elevado de impeachment — a menos, claro!, que, a exemplo do que ocorre hoje, o governo continue loteado por PP, PL, Republicanos e afins.

Seria Ciro um Diógenes que anda por aí em busca de um governo virtuoso? Mesmo retórica, a pergunta é idiota, ainda mais feita por quem apoia um rematado ladrão. Os ataques à democracia de Bolsonaro são os da listinha do Barroso, aquela coisa de pensar em quebrar janelas. E sobre o roubo já falamos acima. O Centrão tinha realmente esse hábito, mas quando o estimulavam a ter, no desgoverno do descondenado.

Quanto ao risco de impeachment, Bolsonaro passou um terço do primeiro mandato confiando no povo nas ruas, sem apoio político relevante. Mudou com a pandemia e agora tem as duas coisas, o que é melhor. Mas poderia até voltar para o esquema antigo no segundo mandato. E com vantagens, pois teria tido seu nome confirmado pelo povo.

Sim, é fato: isso a que se chama Centrão esteve em todos os governos desde a redemocratização. Como conceito, constituiu-se lá no governo Sarney, durante a Constituinte. Mas só com Bolsonaro conseguiu ser a força hegemônica.

Aqui a consciência da Tia deve ter sussurrado: "Pô, nosso atual admirador é imbecil, mas nem tanto. Continua inventando que o Centrão é pior agora, mas admite que ele esteve e estará em todo governo."

Esses valentes não querem nem ouvir falar de Lula — e, a rigor, também não gostam da terceira via ou de Ciro Gomes, mas constatam a óbvia dificuldade que enfrentam — porque têm a certeza de que, se eleito, o petista vai tentar pôr fim ao sequestro do Executivo.

Sim, é isso mesmo que você leu, o texto em vermelho não sofreu nenhuma alteração. Feita a rápida concessão anterior à realidade, Tia Reinalda atinge o auge da falta de vergonha na cara ao tentar mostrar o larápio petista como uma espécie de força moralizadora de quem o corrupto Centrão morreria de medo. É surreal.

Ciro Nogueira, Valdemar Costa Neto, Arthur Lira e o Republicanos querem manter Bolsonaro no cativeiro. É o refém ideal: baba reacionarismos, arma as crises, faz tolices, e esses valentes surgem como apaziguadores. Financeiramente, o Centrão faturou muito mais com a corrupção institucionalizada do PT, por que ele preferiria ficar com Bolsonaro? A "explicação" de Tia Reinalda é que com o Capita seus integrantes têm mais poder. Eles querem é mandar, dinheiro é uma coisa secundária.

O argumento não se sustenta. Em caso de rompimento, Bolsonaro poderia contar com as ruas como dissemos acima, dependendo do caso até com os militares. O ladrão teria ambos, ruas e militares, contra si. Ele é o mais frágil, aquele que mais interessaria ao Centrão explorar.

E ainda que fosse como diz a nossa faxineira, isso não explicaria por que eles acham que Bolsonaro vai vencer a eleição. Sem conseguiu tirar a mancha do piso, Tia Reinalda se limitou a mexer nos móveis para tentar escondê-la.


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