O Paraguai usa, a Venezuela usa, todo lugar que adotou o voto digital usa o comprovante impresso. Mas a entrevista do UOL com Giuseppe Janino, "pai da urna eletrônica" recorda por que nós somos o único soldado com passo certo no batalhão mundial. O Butão não conta porque lá não tem exército.
Giuseppe é um técnico que passou a vida no funcionalismo público, analista de TI durante 25 anos no TSE, se aposentou em 2021 e hoje é consultor (do próprio TSE desconfio, o UOL não diz). Nosso primeiro destaque é a resposta que ele dá à seguinte pergunta:
É possível dizer hoje, com segurança, que não existem brechas para fraude no sistema eleitoral? Nenhum tipo de sistema é 100% seguro. O que existe é uma relação de custo-benefício. O processo de votação brasileiro atingiu um aprimoramento, em termos de proteção e auditabilidade, que inviabiliza uma fraude (...) Se houvesse fragilidades, um grupo tão capaz e competente, que inclui peritos da PF, certamente já teria conseguido vencer as defesas do sistema. Na história dos testes, houve barreiras que foram quebradas, mas nunca se conseguiu mudar resultados ou quebrar o sigilo do voto. E as lacunas verificadas são sempre corrigidas antes da eleição. Não é uma questão de discurso, é uma questão de fatos. Resumindo: NÃO, não há como garantir que não existam fraudes. E isso que o Giuseppe só considera a possibilidade de invasões do exterior, não da equipe que faz o programa fraudá-lo num nível mais profundo, que pode incluir o próprio hardware do sistema. Temos que confiar que todos lá são santos.
Confirmando isso, ao falar sobre a invasão do hacker, ele diz que o cara só conseguiu chegar em trechos que não interfeririam no resultado da eleição. E nós temos que acreditar em sua palavra porque os santos apagaram os logs de tudo.
O final da entrevista é dedicado à impressão do voto. Segundo o sábio Giuseppe, a proposta parece boa pela "simplicidade", mas "se você aprofundar um pouquinho, vai ver que o voto impresso é ineficiente e até prejudicial para o processo".
Por quê? A explicação é um primor. A impressora é um dispositivo eletromecânico que pode travar mais facilmente que um eletrônico. Ela seria mais um equipamento a levar para locais distantes. E eles já tentaram testar a impressão em dois pequenos casos e foi um desastre.
Assim, o mundo inteiro imprime (desculpe Butão, pela generalização), mas aqui isso daria trabalho para os técnicos burocratas que não souberam resolver o que os outros resolvem. E se você achava que não podia ouvir desculpa mais esfarrapada, acompanhe o final do discurso do "pai da urna". O sistema digital e o sistema impresso são inconciliáveis. Imagine que em determinado local de votação aparece uma discrepância entre a urna e o papel. Nesse caso, a decisão correta a se tomar seria anular aquela seção. E aí pronto, já temos uma chance de fraude: se eu sei que vou perder na seção X, eu mando alguém ir lá para subtrair um votinho, de alguma maneira, a conta não vai bater e aquela seção vai ser anulada. Aí podem argumentar que o percentual dessas discrepâncias seria pequeno. Mas se uma urna não bater, já está aberto o espaço para contestações do resultado na Justiça. E a judicialização, sim, seria um problema para o sistema e para a democracia.
"Inconciliáveis"! Como o sujeito pode dizer uma asneira dessas quando sabe (imagino) que a norma é a conjugação de ambos? É como se só no Brasil os políticos fossem malandros. E os técnicos fossem santos, lembremos.
As objeções dele podem ser resolvidas com regras simples. Poderíamos, por exemplo, desconsiderar a urna física sempre que essa fosse de qualquer maneira violada. Ou desconsiderar casos em que o físico e o eletrônico não batessem, mas isso não envolvesse um número de votos suficiente para alterar o resultado.
Agora, se surgissem discrepâncias além de um certo mínimo, é óbvio que a eleição teria que ser judicializada, até refeita. Não há risco algum para democracia nisso. O arriscado é você confiar num sistema que pode ser fraudado (como até o Giusepep precisa admitir), mas nunca pode ser auditado.
Só mesmo no Brasil para um absurdo desses ser levado em frente.
E no Butão, claro.
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