segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Faltou a mulher

Só mesmo a BBC para usar títulos longos como Visão feminista de classe alta não vê que igreja evangélica pode fortalecer mulher, diz autor de 'O Povo de Deus'. A íntegra do artigo está aqui e o autor em questão é Juliano Spyer, historiador e antropólogo que agitou as hostes esquerdistas com as revelações de seu trabalho.

Esses momentos em que os seus pretensos defensores revelam pouco saber do povo podem ser divertidos. Me lembro aqui do cara que apresentou a revolucionária tese de que certos crimes não eram causados pela pobreza e daquele que concluiu que nem toda prostituta está no ramo por falta de vagas de caixa no supermercado.

Neste caso, de modo similar, o Juliano foi morar por um tempo na periferia para ver como era o mundo fora da bolha. Dá para imaginá-lo de bermuda no joelho, pernas brancas por falta de sol e sandália franciscano, caminhando sem ginga pelas vielas para tentar se enturmar com o pessoal.

Dessa vivência ele trouxe sugestões de como falar com os evangélicos. Para discutir o aborto, por exemplo, o segredo é fazer perguntas como "você prefere que ela aborte ou morra?", que trinquem o muro de certezas do crente. Daria também para imaginá-lo defendendo o Kit Gay desse jeito, mas vamos em frente.

Juliano lamenta que sua turma trate os evangélicos como idiotas manipulados e os ofenda, pois em épocas de Internet isso acaba chegando a eles. Em relação ao título do artigo, ele salienta que a esquerda feminista não entende que a evangélica se fortalece porque acaba levando o marido para um ambiente que o pressiona a respeitá-la, a valorizar a família e a não desperdiçar dinheiro com bebida, droga ou mulheres.

Coisas assim o fazem temer a próxima eleição. Mas, por outro lado, o pesquisador festeja que muitos evangélicos pobres caiam no cum hoc ergo propter hoc e, associando quem por acaso presidia o país na ocasião à relativa prosperidade do boom das commodities, pensem que esta ressurgiria magicamente se o ladrão voltasse ao poder.

Juliano acredita que esse erro de percepção pode se sobrepor à natural ojeriza do evangélico ao "intelectual" petista que debocha de seus valores. E, quanto a estes, ele também aposta no fato da religiosidade de Bolsonaro ser vista como meio fake no setor.

Duas observações

Erros básicos de lógica sempre podem ser esclarecidos. É fácil mostrar que o Brasil cresceu menos que seus pares na era molusco e que se este tivesse o poder de criar prosperidade não teríamos tido recessão em 2009 e a maior de toda a história (sem pandemia) no final da era petista, sob cuja herança maldita ainda vivemos.

Dizer isso aqui, onde poucos vão ler, não muda nada. Mas Bolsonaro está em linha com os líderes das grandes igrejas. E estes dizerem e seus pastores repetirem cultos afora pode ser decisivo. Até porque não é necessário convencer todo mundo, basta manter os 70% de apoio da última eleição, algo que se consegue apenas abrindo os olhos de alguns e/ou puxando um pouco mais para o campo dos valores.

Resta a religiosidade de Bolsonaro, inegavelmente rasa. O problema (para a esquerda) é que isso não faz diferença na prática, pois ele defende pautas evangélicas de peito aberto, coloca o terrivelmente no STF e tudo o mais. Como se pensa correntemente no meio, nem todo homem que Deus levanta para defender o povo é um modelo de virtude.

E uma coisa para a qual Juliano aparentemente não atentou é que o jeitão de Bolsonaro é o mesmo do marido que ontem enchia a cara com as vagabas e agora é arrastado para a igreja. Ao falar das mulheres evangélicas e dali partir para a política ele esqueceu justamente da mulher evangélica sincera, esqueceu da Michelle. O que ele julga que afasta pode ser na verdade outro fator de identificação.

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