segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Gente nossa

Atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o general Luiz Eduardo Ramos chefiou anteriormente a Casa Civil do governo Bolsonaro. Antes disso tudo, em junho de 2020, quando era ministro-chefe da Secretaria de Governo, ele deu à revista Veja uma entrevista que eu só li agora.

Ali, falando sobre os mais de onze mil cargos com indicação política, ele conta como os preencheu com pessoas alinhadas ao governo, que limou petistas ainda infiltrados na máquina pública, que às vezes teve que mandar exonerar um servidor para descobrir quem era afinal seu padrinho político e coisas do tipo.

Após dizer que exige um grau de fidelidade ao governo de ao menos 80% (uma regra muito prática) e a negociação para os cargos deixou de ser pessoal e passou a ser partidária, Ramos cita o exemplo do senador Ciro Nogueira, presidente do PP, que tem sessenta votos. E aí o entrevistador faz aquela pergunta e recebe a resposta. Mas isso não é o mesmo fisiologismo que serve de entrada para a corrupção que vocês sempre criticaram em governos passados?

Um detalhe importante: o parlamentar pode ter a presidência ou a diretoria de um determinado órgão, mas quem cuida dos recursos públicos é gente nossa. Na maioria desses órgãos, os cargos de diretor jurídico e diretor financeiro ficaram com o governo. Essa é a nova maneira de a gente trabalhar. O problema não é o político ocupar cargo público. O problema é o político ocupar cargo público para saquear como acontecia antes. Isso acabou.

A minha dúvida continua a mesma. O acerto com o Centrão se deveu à pandemia, quando o presidente se viu incapaz de pedir o apoio das ruas? Ou obter a maioria desse modo depois de algum tempo era o plano desde sempre?

Mas o importante é que o general confirma o que nós dizíamos meses antes da entrevista, quando os acordos começaram. É impossível governar sem considerar os eleitos pelo povo e, independente dos desejos destes, é perfeitamente possível dar-lhes cargos sem lhes dar chance de roubar. Basta manter os postos certos nas mãos certas.

Me parece óbvio que é também por isso que Bolsonaro brigou com o PSL logo no início. Se não o tivesse feito e se visse obrigado a lotear a máquina antes da "gente nossa" tomar pé da situação o governo já teria acabado em meio a escândalos de corrupção e incompetência.

Num ponto eu concordo inteiramente com nossos amigos da guerra híbrida: Bolsonaro é pouco mais que o testa de ferro de um governo basicamente militar. A diferença é que eles acham isso horrível e eu acho muito bom.

É através desse grupo organizado, não das qualidades pessoais do Capitão, que se explica como o governo consegue ser o melhor de todos os que tivemos em termos de combate à corrupção e no mínimo um dos melhores em termos administrativos. Essa é a nova maneira da gente trabalhar, como diz o general.

Se vocês esquecer disso poderá acabar achando que o cara saiu do PSL porque é briguento, que o Centrão vai roubar (sempre no futuro) porque roubava no tempo do PT e todas as bobagens equivalentes.

Se você lembrar disso poderá lembrar quem é a "gente" dos outros. Ou, no caso em que isso é menos importante porque o líder tem mais poder sobre a sua do que Bolsonaro sobre a dele, quem é o próprio outro. Como dizem: nunca foi tão fácil escolher.


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