quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Evidências

"Embora não pareça eu sempre lhe fuuui fiel..." cantava o sertanejo pelos amplos corredores do atacadão. Muitos gostam do gênero, os outros se acostumaram a ouvi-lo. Eu me acostumei. Logo à frente, três caras que com certeza gostam conversavam com ar compenetrado. Fui empurrando o carrinho devagar para ouvir.

- Você não pode ficar assim nesse desânimo, eu disse pra ela. A solução é você colocar Deus na sua vida desde o começo do dia, vou te mandar um louvor que vai te levantar. E mandei, mandei esse hino aqui - dizia um deles em tom enérgico, mostrando aos outros dois o celular.

Bolsonaristas. Três votos garantidos (quatro com o "dela").

Eu sei que existem diferenças, é claro, nenhuma situação é igual à outra. Mas não consigo deixar de pensar no que aconteceu dezesseis anos atrás. O presidente dado como morto pela maioria da imprensa e por considerável parcela dos médios e privilegiados acabou se reelegendo com facilidade.

A Hebe zombava dele, outros programas de TV também. E o pessoal o xingou quando ele apareceu lá dizendo, choroso, que havia sido enganado. Mas a senhora da faxina, no cantinho, ficou com os olhos marejados. A turma riu quando contaram uma piada sobre ele na reunião. Mas a moça que servia o cafezinho apertou os lábios como que prometendo dar o troco depois. Nas urnas, onde ela valia o mesmo que todos.

Era assustador. Você ia colhendo sinais de que aquele clima de "deixar sangrar" era coisa de uma bolha com mais voz na sociedade. Por pena do pobre enganado como eu, por raiva dos ricos arrogantes como eles, pelo motivo que fosse, uma enorme parcela do povão estava caindo na conversa fiada do pilantra e votaria nele.

Agora há diferenças e todos sabem quais são, não precisamos listá-las. Mas permanece o salto alto da oposição barulhenta e se repetem os sinais, as evidências. Se a gente andar por aí e prestar atenção, vai ver todo dia um trio conversando no corredor. E até a imprensa saltoaltista e opositora as oferece sem querer.

Ontem, o Juremir Machado atribuiu sua demissão ao bolsonarismo da empresa controlada pelo Edir Macedo. Todos os grandes líderes do setor estão com o presidente, será que eles entraram em descompasso com seus liderados - um terço do eleitorado - como dizem as pesquisas das gordinhas por aí?

Hoje, no UOL, um sujeito reclama dos outdoors em apoio ao presidente que estão surgindo em propriedades privadas na área rural, aquela em que ele eliminou a ameaça da quadrilha do MST e faz pontes e estradas que opositor citadino despreza por não entender o grande benefício que uma obra dessas leva a uma região.

Mas o pessoal que vive do agronegócio entende. Entre patrões e empregados, entre o campo e a agroindústria, temos aí quase 10% da população. E um típico trabalhador do setor pode ter uma esposa que fica em casa ou trabalha em outra coisa, um filho ou dois em idade de votar... vai longe.

Nem todos do ramo pensam igual, óbvio. Mas garanto que a imensa maioria deve gostar de música sertaneja. "Embora não pareça eu sempre lhe fuuui fiel..."


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