sábado, 30 de novembro de 2024

Anjos com Alzheimer

"Os anjos não têm memória", diz aquele que carrega a heroína e a rainha má que quis matá-lo, voando para salvá-las ao final de Barbarella. Não lhe bastava ser cego (para as aparências externas), como sabíamos desde o início; para bem atender à sua natureza angelical ele não poderia ficar lembrando (dos erros) do passado.  

E quem diria que um roteiro que guarda similaridades com esse seria seguido no mundo nada angelical da política brasileira, por seres de cuja angelicalidade jamais poderíamos suspeitar? Com as devidas adaptações, é evidente.

Pegue o Mário Sabino, por exemplo. Durante o período da última eleição presidencial ele não via diferenças entre os dois principais candidatos. E embora favorecesse um deles ao só bater no outro, dizia fazer isso como um cego que sai distribuindo bengaladas a esmo, sem se preocupar em quem acerta.

Dois anos depois, criticando acidamente o desgoverno que ajudou a eleger, ele parece ter finalmente aberto os olhos. Mas sua súbita transformação não foi acompanhada por nenhum mea culpa, pois o bravo jornalista perdeu a memória e não consegue lembrar do que fez no verão eleitoral passado.

Com Luiz Felipe Pondé foi ainda pior. Ele não estava cego, mas via tudo ao contrário durante o período eleitoral. A ameaça à democracia não era oferecida pela parceria PT-STF, que já censurava e prendia por opinião enquanto estava na oposição. O perigo era representado por Bolsonaro, o ditador sui generis que sempre defendeu a liberdade de expressão e teve correligionários perseguidos enquanto estava no poder.

Isso se repetia em termos administrativos. Bolsonaro governou honestamente, reduziu despesas, aumentou receitas e nos transformou num dos países que melhor saíram da pandemia. Mas para Pondé o melhor era o condenado por corrupção que nos jogou no último vagão do boom das commodities. 

Agora, como Sabino, ele critica a tragédia que defendeu como se não tivesse nada com isso. Ambos perderam a memória. Porém de forma seletiva. É uma espécie de Alzheimer político em estágio inicial. Eles esquecem do que comeram no jantar de ontem, mas lembram repentinamente de cenas da infância com precisão.  

Sabino e Pondé passaram a recordar como o PT foi corrupto, incompetente e fez mal ao país nas últimas duas décadas. Mas não se sentem culpados por ele ter voltado ao poder porque não lembram do que defenderam ou atacaram na eleição de dois anos atrás.

Sendo mais humano, podemos dizer que eles tentam atualmente se vender como anjos isentos e inocentes. Mas só quem é cego não consegue ver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário