domingo, 11 de fevereiro de 2024

A direita que roubava livros

Carnaval, celebridades no Carnaval e, a intervalos regulares, esforçados artigos sobre o golpe sem armas e com exército de ministros - aquele que se baseia em vídeos antigos, mas só foi descoberto depois que a narrativa do golpe das velhinhas naufragou estrepitosamente. A isso se reduzem hoje nossos principais jornais.

Mas a BBC consegue nos salvar com um artigo sobre os livros que estão sendo roubados pela "direita radical". Quer dizer, roubados ao estilo do hino e da bandeira entre nós, "apropriados". O livro está dando bobeira, sem atenção dos democratas de esquerda, os radicais (ultra, extremistas) vão lá e passam a usar.

A coisa vai de clássicos da Roma e da Grécia antigas a 1984. "Eles distorcem as narrativas para reforçar um discurso de salvação da raça branca contra os bárbaros, há sempre um discurso de nós contra eles", diz um professor brasileiro que vive nos EUA, lembrando que alguns manifestantes usavam capacetes gregos na invasão do Capitólio.

Porém a matéria se concentra na direita (radical) italiana e em O Senhor dos Anéis. A obra de Tolkien está sendo homenageada num museu mantido pelo governo italiano e a primeira-ministra Giorgia Meloni é sua fã declarada e já se referiu ao seu carro-chefe como "um livro sagrado".

Para dar um pequeno exemplo, no encerramento da campanha que a levou ao governo, Giorgia foi apresentada pelo ator que dubla o Aragorn na Itália, que adaptou seu discurso ao do personagem. Por que essa identificação, que já vem desde a década de 70? O professor brasileiro explica:

Eles as utilizam para explicar a política do "nós contra eles". O Frodo é pequeno, frágil, totalmente oprimido pelo sistema. Na lógica deles, nós somos os hobbits lutando contra esse sistema globalista. E vamos lutar contra todas as forças do sistema para vencer o mal. Eles usam muito isso, veem esse homem comum branco como sendo o oprimido nessa nova ordem mundial, que é o globalismo.

E o autor do texto, que tem um nome brasileiro, mas escreve da Eslovênia, complementa a explicação do seu patrício:

O globalismo é um termo que vem sendo usado pela direita mundial para se referir a um posicionamento que seria contrário ao nacionalismo e ao patriotismo.

O resto gira mais ou menos em torno disso, do diretor da mostra argumentando que uma coisa não tem nada a ver com a outra, do fato da obra de Tolkien já ter servido para embasar a "teoria da coragem do Norte", de alguém lamentando que estejam tentando voltar a lhe dar uma leitura política etc.

Como curiosidade, a nova ordem mundial globalista não existe, mas, ao final, o jornalista da BBC informa que, no ano passado, a agência antiterrorismo do governo britânico publicou uma relação de obras literárias que poderiam "funcionar como gatilho para atos da direita radical". Na lista de autores perigosos, entre outros, Tolkien e aqueles dois safados que sempre aparecem: George Orwell e Aldous Huxley.

Dizem que um certo ministro de um certo supremo de um certo país está quase mandando os três entregarem o passaporte.


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