Com os articulistas de nossos jornalões ensaiando algumas retrospectivas do ano, a grande novidade política é que não há novidade alguma. Com mais ranger de dentes na Foice e mais conformidade no Ex-tadão, eles admitem que o país continua polarizado entre as duas opções que se enfrentaram na última eleição.
Um dos que desistiu de rosnar é William Waack, para quem:
O fenômeno tomou conta do País inteiro e já tem características de divisão geográfica bem mais complexas do que a surrada divisão antiga "cidade-campo" ou "de classes". Numa simplificação grosseira, essa divisão abrange uma grande arco mal descrito como "Centro-Oeste" (pois vai do Sul até o interior do Piauí e Bahia) e que corresponde em parte a áreas dinâmicas ligadas à agroindústria. Sua expressão própria, porém, não é a celebração de resultados econômicos da balança comercial mas, sim, uma "cultura" e "valores" próprios.
O que a gente pode dizer pro William? Que só a turma ligada aos jornalões não sabia? Que só eles imaginaram que o antigo eleitor de Alckmins e Dorias continuaria a segui-los se eles fossem para o lado do PT até derrotar Bolsonaro com toda a malandragem que foi vista e depois voltassem a se apresentar como oposição ao petismo?
Se eles quisessem mesmo atenuar a polarização deveriam, creio, ir para o outro lado, tentar destruir o outro polo. Doria deveria ter sido o Bolsodoria da eleição, acompanhando seu eleitor mais ou menos como Macri fez ao apoiar Milei. E o Molusco deveria ter continuado na cadeia. Bolsonaro teria sido reeleito, mas haveria uma grande chance de seu sucessor ser alguém como o próprio Doria, como situação ou oposição.
Um problema dos caras foi acreditar na própria mentira e insistir em pensar em Bolsonaro como uma espécie de Hitler ou Mussolini, um radical que hipnotiza o povo por algum tempo, mas depois é abandonado para sempre.
É óbvio que ele nada tem desse radicalismo e não lançou novas ideias, mas apenas conseguiu encarnar a cultura de que o Waack fala, que ganhou contornos mais nítidos, mas já existia e procurava uma opção política para se expressar.
Destruir esse polo não é e não será nada fácil, mesmo depois de Bolsonaro. Pois ele cresce, reúne a grande maioria do país produtivo e mostra flexibilidade para conjugar harmonicamente diferentes cortes da sociedade (como mostra a bancada BBB, que une agronegócio, evangélicos e setor de segurança).
O outro polo se sustenta eleitoralmente na baixa instrução (o analfabetismo total ou funcional que facilita a manipulação porque obriga o sujeito a se informar pela TV) e no "nacionalismo" nordestino, a tendência de grande parte do pessoal daquela região em vê-la como um país independente e votar em quem mais parecer ser de lá.
A soma das duas coisas faz o Molusco arrebentar no Nordeste. Mas, mesmo assim, ele só venceu porque um número razoável de pessoas caiu na conversa imbecilizante da imprensa e votou lulo. E porque ele é ele, a derrota de Haddad em 2018 já demonstrou que seu prestígio é particular, muito mais que o de Bolsonaro.
O Waack diz, com razão, que mesmo sem os seus principais líderes, os atuais polos dividirão o eleitorado nas próximas eleições. Mas numa disputa dessas eu aposto que o lado direito ganha fácil. O analfabeto tem uma lealdade de cão ao dono, não a transfere facilmente. E seria difícil aparecer outra boa encarnação da "nação nordestina".
O que eles farão? Tentarão implantar uma ditadura completa? Aproveitarão a figura do Molusco enquanto ele puder ficar de pé e torcerão para que algo mude? Admitirão os fatos e procurarão se acertar com as forças sociais emergentes? Quando mudarem, aí sim teremos novidades. Por ora não há nenhuma.
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