sexta-feira, 8 de setembro de 2023

As regras da Companhia

Como todos os homens de Babilônia, fui procônsul; como todos, escravo; também conheci a onipotência, o opróbrio, os cárceres. Olhem: à minha mão direita falta-lhe o indicador. Olhem: por este rasgão da capa vê-se em meu estômago uma tatuagem vermelha: é o segundo símbolo, Beth. Esta letra, nas noites de lua cheia, confere-me poder sobre os homens cuja marca é Ghimel, mas me subordina aos de Aleph, que nas noites sem lua devem obediência aos Ghimel.

Assim começa A Loteria em Babilônia, que em certo ponto do conto é descrita como "uma intensificação do acaso, uma periódica infusão do caos no cosmos" que, a partir de um início meramente pecuniário e limitado aos interessados, vai abrangendo até os que pensam não estar no jogo e a todos os aspectos de suas vidas enquanto, ao mesmo tempo, a Companhia que a dirige vai se ocultando a ponto de muitos já duvidarem de sua existência.

Shamash-Hazir não duvidada, embora talvez concebesse seus sorteios em outros termos. Ele pertencia à elite da já então milenar Larsa, cidade dos sumérios, povo que acreditava em deuses que podiam castigar ou favorecer os humanos independente destes serem bons, maus ou muito antes pelo contrário.

Hamurabi era rei da própria Babilônia, cidade que começara a se projetar há relativamente pouco tempo. Acadiano, seus deuses favoreciam os bons e castigavam os maus, mais ou menos como pretendia o seu famoso código legal. Mas a questão é que ele decidiu expandir seu reino justamente a partir da vizinha Larsa.

Hamurabi conquistou Larsa, Shamash-Hazir teve azar. No entanto, o novo rei precisava manter pelo menos alguns dos altos funcionários da administração anterior e ele foi um dos escolhidos, teve sorte. Mas achou melhor não confiar só nela, conversou com sua esposa, Zinu, e mandou seu filho, Iddin-Sin, estudar em outro lugar.

Não sabemos que lugar era esse ou se o guri estaria se preparando para ser sacerdote, escriba ou algum outro cargo. O que se sabe é que, usando as tábuas de argila que eram os tablets da época (até o tamanho é similar), ele um dia enviou para sua mãe uma carta que foi recentemente encontrada e decifrada. Diz ela:

Diga à senhora Zinu: Iddin-Sin envia a seguinte mensagem: Que os deuses Shamash, Marduk e Ilabrat mantenham você para sempre com boa saúde por minha causa.

De ano para ano, as roupas dos jovens aqui ficam melhores, mas vocês deixam minhas roupas piorarem de ano para ano. Na verdade, você persistiu em tornar minhas roupas mais pobres e escassas. Numa época em que em nossa casa a lã se consome como pão, vocês me fizeram roupas pobres. O filho de Adad-Iddinam, cujo pai é apenas assistente de meu pai, tem dois conjuntos de roupas novos, enquanto você se preocupa com um único conjunto de roupas para mim. Apesar de você ter me dado à luz e a mãe dele apenas tê-lo adotado, a mãe dele o ama, enquanto você, você não me ama!

Que festa o adolescente chantagista teria feito num shopping de hoje. Mas, sigamos. Eu tinha acabado de ler essa história e meu cérebro tinha me trazido o título do conto, provavelmente pela junção entre a referência da notícia à Babilônia e a indagação quase automática sobre a sorte que coube àquele rapaz tão distante e tão próximo de nós.

E então alguém publicou, como comentário do blog, um tuíte que usava a foto abaixo para dizer que, segundo o G1, Bolsonaro devia ter 72 milhões de eleitores. Claro, é uma brincadeira, não só bolsonaristas jogam o 22 e os 72 milhões são de apostas, não de apostadores. Mas a Companhia não junta as coisas assim por nada. Olhe de novo e veja se você encontra o que realmente está ali.

Nessa época o blog havia acabado de mudar de nome (azar do antigo, sorte do novo), escolhendo o 22 dias antes de Bolsonaro. Se o esquema das três primeiras letras se estendesse a todas, nós seríamos a última - Tav, o T de TheClub? - e deveríamos nos subordinar às demais como escravo, mas teríamos nosso momento de comandá-las como procônsul. Assim, quero pedir licença para falar de uma das regras que, embora de modo impreciso e parcial, muitos de nós que jogamos nas loterias comuns (também controladas pela Companhia, é evidente) já conseguimos perceber.

Às vezes temos um forte palpite sobre um número e ele sai. E outras vezes ele não sai, mas se revela uma espécie de sol que acaba por se esconder (como a Companhia?) para destacar seus planetas. Sorteiam-se dois números na mesma linha e um na mesma coluna, mas ele em si não é sorteado.

Esse é o caso do 22, o sol oculto e amarelo na figura abaixo. Quatro dos números daquela Mega são verdes planetas ao seu lado. E os demais ocupam órbitas próximas, definidas, novamente, pelo 2. Eles são dois e estão a duas colunas de distância do primeiro e do último dos quatro (2+2) já escolhidos. O 15 está na mesma linha do 12 e a mesma regra faria o outro ser 36, mas como os planetas distantes devem também se distanciar entre si por duas linhas, ele desce e se torna 46, ficando a mesma distância do 60 final que o 15 está do 01 inicial.

Todas essas são regras típicas da Companhia, mas por que elas foram salientadas agora? A Globo teria sido usada na época para indicar que as pessoas que giram em torno de Bolsonaro se elegeriam, mas ele não? Amanhã temos o sorteio de 85 milhões na Mega e, após uma Independência com outra ausência centralizadora do 22, 200 milhões na Lotofácil da Independência; é disso que se trata? Por outro lado, Borges, autor do conto, era argentino; a Lilia, cuja dança me encantou há pouco, também é; será tudo uma indicação de que nós em breve nos encontraremos?

São muitas especulações, pois nunca se sabe exatamente o que a Companhia decidiu e ela permanece oculta, sem jamais nos dar muitos sinais. Como diz Borges ao comentar essa discrição no último parágrafo de sua história:

Esse funcionamento silencioso, comparável ao de Deus, provoca toda espécie de conjecturas.

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