quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Bárbaros na cidade

Como os romanos de 2.500 anos atrás, a que nos referimos na segunda passada, nós não sabemos mais o que é lei ou não. Tínhamos - temos ainda - documentos escritos equivalentes às Doze Tábuas. Mas, desde que tomaram a cidade, são os bárbaros que decidem - ad hoc, como era lá - quais deles continuam valendo ou não.

"Cala a boca já morreu", diz um de seu líderes, e você entende que a liberdade de expressão continua como era. Porém, no dia seguinte, um outro pode decretar que determinado assunto é proibido. Ou o mesmo líder pode ressuscitar o morto como se aquilo fosse um tipo de ritual da colheita, em que a semente morre para o fruto nascer.

São cerimônias desconhecidas, costumes estranhos que temos dificuldade para entender. Só sabemos que eles adoram deuses primitivos e o maior pecado de sua religião é ofender Temökrazia (pronuncia-se "democracia"), uma deusa parcial, que exige frequentes sacrifícios humanos, cuja volúvel vontade se altera a cada instante.

Temos que esperar para ver o que o oráculo revelará a seus devotados sacerdotes em cada caso. Nem que quisessem, eles poderiam escrever suas regras. E não querem, o próprio rei semianalfabeto dos bárbaros já declarou que esse negócio de ler só incomoda. Assim, enquanto o saque prossegue, ficamos sem saber.

Amor e desamor

Existe um país que inventou um sistema de informática tão bom que ninguém consegue fraudá-lo, nem mesmo os responsáveis por sua programação. Os demais morrem de inveja e gostariam de implantar essa tecnologia. Só que nenhum consegue, seja no mesmo setor de atividade ou em outro.

Pegue o exemplo dos sistemas ECF (emissores de cupom fiscal). Os técnicos da Receita de cada estado, altamente qualificados, os analisam o quanto podem antes de liberá-los. Mas, mesmo assim, os programadores que os criaram podem, quando querem, deixar espaço para que algumas operações sejam eventualmente fraudadas.

Normalmente, como seria de esperar, os responsáveis por esses programas são extremamente discretos. Mas eu conheço um que é cara de pau e conta tudo. Para você ter uma ideia, esse tempos ele teve o desplante de comparecer a um congresso de fraudadores - tem até de comunistas, por que não de fraudadores?

Pior ainda, chegou lá, subiu no palanque e berrou para quem quisesse ouvir: "Nós vencemos a Receita!" Foi preso ou processado? Se fosse outro, tudo o que ele fez seria anulado. Mas isso era quando a gente tinha lei escrita. O oráculo falou que Temökrazia o ama e nada lhe aconteceu.

Eficiência e ineficiência

Bem que o pessoal daquele Foro avisou que esse negócio de querer disfarçar e usar um louquinho com faca não daria certo. Não ouviram, deu no que deu. Mas agora todos concordaram em voltar ao sistema de usar a tradicional parceria com o crime "comum" e mandar bala mesmo.

Funciona com o prefeito, com o candidato a presidente e com quem mais quiserem. Funciona aqui, ali e acolá. E está de acordo com as tradições culturais dos seus povos. Alguém já viu Paredón em que esfaqueiam o sujeito? É uma lei não escrita, consuetudinária, mas entre os bárbaros vale igual.


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