O clima era de certa apreensão. Com o facão correndo solto nos últimos tempos, aquela reunião convocada às pressas parecia não ser boa coisa. Uns ligaram para os outros, ninguém sabia do que se tratava. Mas ordem do presidente se cumpre e todos os diretores de criação da casa estavam lá no horário marcado.
- Senhores - disse o presidente -, um excelente dia a todos e permitam-me ir direto ao assunto: no que nós somos bons?
- Bem, nosso padrão de qualidade... - começou a dizer o careca, o mais velho deles.
- Não, não, vamos ser francos. Nós somos excelentes naquilo que você fazem como ninguém: novela, dramalhão. Pega o esporte por exemplo, o sujeito vai ver os gols da rodada e a gente enrola ele falando sobre a infância difícil do atacante, a tia que o criou e foi vê-lo pela primeira vez no estádio, coisas do tipo. Tudo aqui vira novela.
- É verdade.
- A questão é que essas novelas alternativas são criadas por pessoas que não têm a mesma capacidade que vocês, craques no assunto. Ou eram criadas, pois eu quero que vocês assumam essa função.
- O senhor quer que a gente faça o noticiário esportivo!?
- Não, o nobre, o das nove, uma parte dele. Vejam os problemas desse caso do aeroporto de Roma. Um é que nós não temos imagens, o outro é que estas podem aparecer depois e nos contradizer. Eu estava pensando nisso quando vi que o menino de nosso jornal solucionou tudo criando as próprias imagens em HQ. E aí eu pensei: por que não fazer o mesmo com filmezinhos para TV?
- Mas o senhor acha que o público vai aceitar essa mudança?
- Vai adorar. Já não dizem que o pessoal só assiste o noticiário porque ele está entre uma novela e outra? Agora ele será a novela. Em alguns casos nós poderemos estender a notícia por vários capítulos, vocês criarão diálogos dramáticos, ficará um show.
- Mas a nossa credibilidade não será afetada?
- Que credibilidade, pô? Eu já pedi para sermos francos, o cara que ainda nos leva a sério engole qualquer coisa. A gente coloca um letreiro pequeno dizendo que aquilo é uma encenação e ninguém vai ler. Se reclamarem do que é dito basta responder que precisamos preservar o sigilo das nossas fontes. É tranquilo.
- Ah, não sei, nós já estamos tão atarefados.
- Eu sei, mas dá para realinhar tudo. E com o sucesso dessa iniciativa nós certamente vamos receber mais verbas governamentais, o que significa mais dinheiro no meu bolso e no de vocês. Disso vocês não podem reclamar, entrando dinheiro nós sempre fomos generosos.
- Não tenho dúvida, nem me passou nada diferente pela cabeça. Mas é que ...
- Desculpa te interromper, mas tem mais uma coisa que você não pensou. Exceto em um caso ou outro, nós não poderemos usar atores tarimbados nas novelinhas noticiosas. Teremos que trazer inúmeras caras novas. E aí tem aquele garotão bombado que não acredita quando você diz que vai lhe arrumar uma carreira de ator. Imagina como isso vai mudar quando você tiver exemplos reais de que está mesmo botando o pessoal na TV.
O careca pensou um segundo, revirou os olhinhos e soltou um suspiro ao responder:
- Tá bom, eu topo. E creio que os colegas aqui também. Se é para abrir mais espaço para o talento da juventude, acho que é a nossa obrigação.
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