- Por favor, senhor, por favor, me explique o que aconteceu.
- O que aconteceu? Você é um incompetente, me faz passar vergonha. E quando eu passo vergonha num organismo internacional é o nosso glorioso Partido que passa junto. Isso é inadmissível. Inadmissível!
- Mas o que eu fiz, honorável diretor?
- Você ainda pergunta, camarada tradutor? Você quer que eu acredite que a nossa presidenta disse que o banco agora não terá meta, mas a meta será dobrada quando for atingida? É impossível alguém dizer uma asneira dessas, eu não preciso falar português para saber que você também não é fluente no idioma que diz dominar.
- Mas ela disse exatamente isso, compreensivo companheiro.
- Pare de insistir! Eu sou compreensivo sim, mas já fui até demais. Da outra vez eu deixei passar, mas duas é demais.
- Que outra vez, augusto orientador?
- Aquela em que você disse que a presidenta pretendia estocar vento, quando, presumo, ela devia estar se referindo à armazenagem da energia eólica sobressalente.
- Desculpe contestá-lo, nobre diretor, mas ela queria guardar vento mesmo.
- Basta, basta! Você quer me convencer que os brasileiros mandaram uma completa imbecil para presidir nosso banco? Retire-se antes que eu termine de perder a paciência e o envie para um campo de reeducação. Fora!
Naquele noite o chinês se reuniu para lamentar com seus colegas tradutores de português, todos igualmente dispensados, numa mesa de bar.
- Tudo culpa daquela anta - disse o russo após entornar a décima vodka.
- Não digo que é uma vaca porque em meu país estas são sagradas - emendou o indiano.
- Não se preocupe - garantiu-lhe o sul-africano -, mesmo para os nossos padrões, vaca seria um elogio para aquilo. Ela é mais burra que o macaco de estimação que eu comprei na minha última viagem a Uganda.
- Você tem um macaco de estimação!? - espantou-se o chinês.
- Cada um com seu gosto. Eu tenho um macaco e você tem um cachorro. Sei porque já o vi passeando com ele.
- Na verdade ele pertence ao meu filho.
- Ah, sim, eu havia esquecido, atrás de toda criança tem uma figura oculta que é um cachorro.
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